27 de mar. de 2011

O Anjo Exterminador (1962)


por Luiz Santiago


A BURGUESIA DESCE AOS INFERNOS


Aqui estamos nós! Eles ali chegando!
Olhai os bichos acossados pela miséria!
Vejam como ela os força a descer!
Vejam como eles vem descendo!
Daqui ninguém volta: aqui estamos nós!
Bem-vindos! Bem-vindos! Bem-vindos!
Bem-vindos cá embaixo entre nós!

Bertold Brecht


     Se em Viridiana, Buñuel dessacralizou a beatice e a caridade, instaurando a desvirtude através da apostasia, em O Anjo Exterminador (1962), o cineasta traria a desvirtude à aristocracia. Neste filme, Buñuel despe a alta classe de seu “discreto charme”, retira a pompa da ocasião, arranca as etiquetas, expele as verdadeiras personalidades, e ainda critica a igreja, na sequência final do filme, quando a polícia abre fogo contra a multidão na praça, e um bando de ovelhas entram na casa de Deus: providência divina de alimento para os que ali permaneceriam trancados ou metáfora da união fascismo-igreja?

     Eis a trama de O Anjo Exterminador: uma festa de gala é oferecida na mansão de um rico casal. Os convidados e os anfitriões acabam de chegar de uma audição de Lucia de Lammermoor, de Donizetti. As horas se passam, e quando os convidados preparam-se para despedir-se, algo acontece: ninguém consegue transpor os umbrais da sala ou entrar na mansão – vê-se aqui um alusão ao episódio do extermínio dos primogênitos do Egito, narrado nos capítulo 11 e 12 do livro de Êxodo, no Antigo Testamento.

     Dias se passam. As máscaras sociais caem. A desvirtude está instaurada.

     O tema religioso não é o motivo principal nesta obra. A religião, aqui, é apenas mais uma obrigação social a ser cumprida pelos aristocratas e artistas. Na realidade, todos pretendem pavonear seus corpos e seu intelecto, exibir felicidade e saúde, fingir ser o que não são. Mas o sortilégio exterminador tem outros planos para esse jantar na Rua da Providência.

     No início da obra, ouvimos um oratório, e no final, o badalar dos sinos da igreja que recebe as ovelhas desesperadas: último refúgio do falso cristão? Lobos fascistas ou burgueses vestidos em pele de cordeiro? População alienada que corre para sua dose de ópio (Marx) enquanto a polícia atira, na praça? A pergunta ecoa: o que significa a cena final de O Anjo Exterminador?

     A “noite da verdade” que constitui a primeira parte do filme, já começa de modo estranho. Antes mesmo da chegada dos convidados, os empregados sentem uma necessidade imperiosa de sair da casa. O prato principal da noite é derrubado pelo garçom, e ninguém come, no jantar. Famintos, os convidados passam à sala para uma sonata de Paradisi executada ao piano. Mais tarde, a repetição desse momento será a chave para o fim do sortilégio.

     O Anjo Buñuel extermina a falsa moral e as aparências. Maçons, feiticeiras, histéricas e doentes terminais dividem o espaço com um morto, um casal suicida, um pervertido sexual... A tão estampada virtude burguesa é aniquilada. Por fim, o Anjo abre as portas da casa, para fechá-las novamente, na igreja. Padres e fiéis encurralados pelo Anjo Buñuel, que exige-lhes uma vida autêntica. Fora das portas do templo, o extermínio prossegue, mas não pelas mãos do Anjo, que repudia a política da força e da repressão. O resultado dessa segunda fase de revelações de personalidades, nem a câmera de Buñuel espera para ver. Aquelas pessoas já haviam mostrado o que são capazes de fazer a portas fechadas.


* Leia a terceira parte da Trilogia da Desvirtude.


O ANJO EXTERMINADOR (El Ángel Exterminador, México, 1962)
Direção: Luis Buñuel
Elenco principal: Enrique Rambal, Lucy Gallardo, Augusto Benedicto, Claudio Brook, Silvia Pinal.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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