por Luiz Santiago
Essa comédia poderia ter sido uma tragédia. Mas ela acabou bem. Nem o autor nem os atores são os professores dessa lição, mas a própria vida com suas reviravoltas e mudanças absurdas. Podem assitir a essa lição de amor com um sorriso indulgente por ela ser elementar e por vocês terem há muito tempo passado por essa fase. Não passaram?
O Narrador
Quando se fala em comédia romântica, alguns nomes, tanto de atores quanto diretores, podem assomar à mente dos bons cinéfilos, mas, certamente, a última pessoa a quem alguém associaria esse tipo de filme é a Ingmar Bergman, que, por incrível que pareça, dirigiu algumas.
Nos anos 1950, Bergman inflava o seu estilo cinematográfico pessoal com todo o tipo de gênero e filme, estabelecendo muito do que seria ou faria parte de seus enredos nos anos seguintes. Um dos elementos adquiridos nesse período foi a tendência neo-romântica que passou por profundas alterações em sua filmografia, e cujo último suspiro, já com nova dimensão expressiva, foi O olho do diabo (1960).
As comédias de Bergman fazem a ligação das angústias pessoais não declaradas às turbulentas relações das personagens, mostradas com enorme poesia. São episódios teatrais baseados nas imprevisíveis relações humanas, e que perpassam com diferentes intensidades todos os anseios, aspirações e obstáculos que rondam os protagonistas, sem nunca perdê-los de vista. Assim é Uma lição de amor (1954), adorável comédia romântica escrita e dirigida pelo mestre sueco.
“Uma comédia para adultos”, diz os créditos iniciais, sobrepostos a um fotograma de uma caixinha de música. Um narrador off faz uma apresentação irônica, que reproduzi como epígrafe deste texto. Através dela, podemos ver uma alusão à possibilidade do filme ir em outra direção: “poderia ser uma tragédia. Mas acabou bem.”. Ironicamente, ao fim da narração, um relâmpago corta a tela e nos deparamos com o primeiro plano de um rosto feminino.
Bergman trabalha com diversas possibilidades e com o desejo da conquista, fazendo de Uma lição de amor, um filme lúdico: as personagens estão o tempo inteiro jogando umas com as outras, seja “atuando” seus sentimentos, seja fazendo o jogo do flerte ou da libido, com direito a apostas e trapaças. A narrativa que penetra os jogos de conquista é composta por diálogos tão engraçados quanto cruéis. No âmago do jogo da sedução e representação (em um genial uso da narrativa, o diretor também joga com o espectador, colocando marido e mulher em um mesmo vagão de trem como se fossem estranhos, só revelando suas verdadeiras identidades muito tempo depois), a verdade aflora, vocifera com mágoa e rancor pelas atitudes de uma parte do par para com a outra.
A infidelidade mútua é o plano de fundo dos acontecimentos que levaram o casamento de David e Marianne a uma grande crise, e é a partir desse ponto que se desenvolve Uma lição de amor. O filme começa com David, que é ginecologista, rompendo um caso com uma paciente que não hesita em lhe falar duras verdades. A partir de então, David tenta reconquistar sua esposa Marianne, que segue para Copenhague a fim de encontrar o antigo noivo (lembra Quadrilha, de Drummond). A sequência do encontro desse triângulo amoroso é uma insuperável sucessão de situações burlescas que termina com um cupido entrando com seu arco e flecha no quarto do hotel onde David preparou uma romântica recepção para a esposa. Ao entrar no quarto, o pequeno Eros muda a placa de NÃO PERTURBE para SILÊNCIO! UMA LIÇÃO DE AMOR. E a aula chega ao fim.
O filme transcorre entre criativos flashbacks, integrados ao momento corrente de uma forma tão sutil que chega a desnortear o espectador, tal é a leveza das transições que jamais quebram ou desaceleram o ritmo em andamento. A fotografia de Martin Bodin constrói com simplicidade mas com firme vigor o passado e o presente, que se integram e “acontecem” em um ritmo tão perfeito, que os 96 minutos do filme parecem passar dez vezes mais rápido, resultado da escrupulosa direção de Bergman e da pontual e precisa edição de Oscar Rosander, que imprime o tempo (Tarkóvski) da maneira mais suave possível, cortando todo o “espaço morto” e deixando na tela apenas o necessário, uma das mais perfeitas execuções do tempo cinematográfico.
O casal vivido pelos magníficos atores Eva Dahlbeck e Gunnar Björnstrand aprendem uma lição de amor que os fazem superar o passado, apesar de sua memória. O elenco ainda conta com Harriet Andersson e Ake Grönberg (juntos em Noites de Circo, 1953) e uma pequena aparição de Bergman, como o homem lendo o jornal no trem.
Uma lição de amor é um filme sobre os relacionamentos, sentimentos, e o amor e seus percalços. Decididamente, uma comédia para adultos.
UMA LIÇÃO DE AMOR (En lektion i karlek, Suécia, 1954)
Direção: Ingmar Bergman.
Elenco Principal: Eva Dahlbeck, Gunnar Björnstrand, Yvonne Lombard, Harriet Andersson, Åke Grönberg, Olof Winnerstrand, Birgitte Reimer, John Elfström, Renée Björling, Dagmar Ebbesen, Sigge Fürst, Georg Adelly.
Direção: Ingmar Bergman.
Elenco Principal: Eva Dahlbeck, Gunnar Björnstrand, Yvonne Lombard, Harriet Andersson, Åke Grönberg, Olof Winnerstrand, Birgitte Reimer, John Elfström, Renée Björling, Dagmar Ebbesen, Sigge Fürst, Georg Adelly.
FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.