por Nuno Reis
Bridget von Hammersmark: I know this is a silly question before I ask it, but can you Americans speak any other language besides English?
"Once upon a time in Nazi occupied France" é como começa um filme que depressa se juntará aos maiores clássicos do cinema. "Once upon a time" como se fosse uma obra de Sergio Leone. "In Nazi occupied France" porque esta se desenvolve noutra época e noutro lugar. São os anos quarenta, o mundo aguarda em suspenso o desfecho de uma guerra e França é o centro da confusão. De um lado está o exército de Hitler, do outro o exército dos Aliados e do outro o exército invisível dos rebeldes, la Résistance. Para aumentar a confusão há ainda uma quarta força composta por judeus que pretende derrotar os nazis através do medo. Matar, escalpar, marcar, vale tudo... desde que não façam prisioneiros e ninguém escape. Eles são os Bastardos e têm como única missão: matar com o mínimo de humanidade possível. Além deles uma judia que esperava ter escapado ao pesadelo vê cair-lhe nas mãos uma hipótese única de se vingar de todos os responsáveis pela morte da família. Entre nove mercenários raivosos e uma mulher furiosa não há como escapar. A única esperança dos nazis reside em Hans Landa, um caçador de judeus inteligente e “imparável”, com o dom de estar no lugar certo na hora certa. Sozinho, pode decidir o rumo da guerra.
Temos aqui atores de fama internacional que se aglomeram e esforçam por um pouco de atenção. Brad Pitt, Diane Kruger, Michael Fassbender, todos têm os seus momentos. Eli Roth além da divertida personagem que interpreta ainda pôde fazer o filme dentro do filme. Entre os talentos locais desde Til Schweiger a Daniel Brühl, Tarantino teve quem quis, mas a sorte maior veio de fora da Alemanha. Num filme com vinte personagens seria difícil alguém ter destaque, mesmo que se estenda por mais de duas horas. No entanto, Christopher Waltz causa a impressão de que podia ter feito o filme todo sozinho que não seria pior por isso. Waltz é um ator como raramente se encontra. Mesmo sendo na vida real pai de um rabino é aqui com muito gosto o mais sanguinário caçador de judeus de que há memória. Chamá-lo ator secundário é ofensivo pois ele é o filme desde a primeira cena até à última e sem ele não haveria esta obra-prima. Mélanie Laurent também é uma fantástica revelação pela fabulosa performance que dá cruzando medo e coragem em todos os seus atos.
Não se enganem pensando que é um filme americano. Tarantino sempre fez os filmes com as suas regras bem claras e a filmar um filme na França ocupada por nazis fez como devia: os americanos e os britânicos falam inglês, os franceses falam francês e os alemães falam alemão. Isso gera alguma confusão para os americanos, ridicularizados na frase indicada inicialmente.
As referências ao cinema da época são magníficas, indecifráveis para a maioria e mesmo quem perceba metade delas terá de estudar bastante antes de compreender tudo o que é dito por Hicox. Aliás, este filme em si é um caso de estudo pela forma magnífica como está feito: pelo desempenho dos atores desde o ridículo propositado à mais rigorosa perfeição; pelo rigor histórico corajosamente transformado em ficção; por ser um filme de guerra em que não se vê uma única batalha (se excluirmos os minutos finais é dos que tem menos sangue e mortes em toda a carreira do realizador) e por ser um filme sobre cinema.
O melhor filme de Tarantino? Por enquanto sim, mas está visto que quando achamos ter esgotado a capacidade de inovar sendo igual a si mesmo... é sempre capaz de surpreender novamente.
BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglourious Basterds, Alemanha, EUA, 2009)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Christopher Waltz, Diane Kruger, Mélanie Laurent, Eli Roth, Michael Fassbender, Daniel Brühl, Til Schweiger.