14 de out. de 2010

Bullying



por Luiz Santiago


     Em meu artigo anterior sobre a violência moral, física e social – Bullying e Horror –, eu salientei as características morais e de formação do problema, por isso, neste texto sobre o filme Bullying (2009) de Josetxo San Mateo, direcionarei minha análise mais para o campo dos fatores psicológicos e humanos, e do suicídio.

     O filme conta a história de Jordi, um garoto de 15 anos que acaba de perder o pai, e é recém-chegado à cidade em companhia da mãe. Já nos primeiros dias de aula, um grupo de alunos liderados pelo dissimulado Nacho, começam a fazer a vida de Jordi um inferno, até que o sofrimento e a desesperança do jovem superam o seu amor à vida, e o filme termine em uma “tragédia inevitável”.


     O roteiro de Ángel García Roldán cerca o tema e consegue instigar o espectador a pensar sobre o problema central da película. E não é para menos: cenas chocantes e desumanas acompanham as torturas diárias e cada vez mais insuportáveis sofridas pelo protagonista. O que chama atenção no filme, é a denúncia também dos omissos, e um certo ar didático que pontua o miolo da obra. Nesse sentido, o filme é bastante “educativo”, porque cita estatísticas europeias e faz uma pequena análise sociológica do problema.

     Em algumas críticas que li sobre o filme, figurava a possível falta de semelhança com a realidade trabalhada pelo diretor, algo que discordo enfaticamente. Talvez a intensidade com que são postas no filme as torturas ao adolescente, é que não esteja muito próxima a do cotidiano, mas é certo que toda a trama de Bullying encontra espaço nas escolas de hoje, e digo isso como profissional a cinco anos no ramo.

     Diferente de algumas abordagens ao tema, San Mateo optou por uma linha narrativa humanista, que mostra não só o lado escolar do jovem Jordi, como também o início do seu amadurecimento como homem, o seu amor e defesa à mãe, poupando-a de saber de seus problemas fora de casa, e seu caráter solidário e explosivo, ou seja, o filme não foca o bullying como o Soberano Motivo, mas cria o enredo do cotidiano da vítima, o que dá sustentação à denúncia.


     A direção de atores de San Mateo não é louvável, mas consegue manter uma linha mediana de qualidade durante toda a projeção do filme. O que ajuda a dar o ar dramático necessário é a planificação espirituosa das cenas, que usa e abusa dos plongés e contra-plongés, mas não peca por excesso de primeiros planos nos atores, e todas as ocorrências desse plano são justificadas dramaticamente. A cidade de Bercelona é vista sob outro ângulo (diferente dos de Allen e Klapisch), o do cotidiano suburbano. É interessante como o diretor cria um ar claustrofóbico altamente simbólico e pertinente à trama, usando o ambiente citadino.

     A moderadíssima trilha sonora ilustra o espírito das cenas, e nunca está lá para compensar alguma falta – fenômeno, infelizmente, muito comum nos dramas de hoje.

     O filme alerta não só para a importância imperativa da denúncia ao bullying, como também mostra ao espectador que tipo de vida se perde, quando um grupo de jovens que se autodenominam bons demais, e entediados, acham no mais fraco, sempre, uma alternativa criminosa de “diversão”. E se alguém acha que há excessos nesse filme espanhol, sugiro que o leitor passe um mês acompanhando as aulas de qualquer escola pública da periferia, e constate que, além do que está posto no filme, uma grande máfia assombra e se encarna na educação pública, algo que não é segredo, mas se tornou “normal”, como a maior parte das nossas mazelas atuais. Vivemos na era da banalidade do mal.


     Nosso século é o século da preservação do meio ambiente e da vida – vejam que, antes dos anos 1990, falar em meio ambiente e afins, era conversa de comunista louco, exagero humanista, etc. Bem, é nessa onda de louvor à vida que a questão do suicídio entra como um tabu renovado e reforçado pela escatologia: aproxima-se o fim dos tempos, e a pior coisa a fazer é dar cabo de sua própria vida, já que ela não pertence a nós. Não quero levantar teses a respeito do tema, até porque não é nosso foco principal, mas gostaria que os leitores pensassem a respeito dos motivos acumulados que empurraram Jordi de cima daquele prédio, e levassem em conta o pensamento de David Hume a respeito.

     O bullying é um problema social contemporâneo que cresce assustadoramente no mundo todo, o que nos faz pensar em que tipo de sociedade vivemos e que futuro nos espera– haja vista que a maior parte dos agressores são jovens. Nesse âmbito, um filme como Bullying faz-nos ver não só a monstruosidade da ação criminosa, como também a cadeia de ódio, intolerância, depressão e destruição de vidas e famílias que elas causam. Se o fim das coisas ruins está próximo, ele vem tarde.


BULLYING (idem, Espanha, 2009).
Direção: Josetxo San Mateo.
Elenco: Nadeska Abreo, Marcos Aguilera, Osvaldo Ayre, Albert Carbó, Yohana Cobo, Laura Conejero, Joan Carles Suau.

FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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