14 de jul. de 2010

Bananas



por Luiz Santiago


   Bananas (1971), é o segundo filme dirigido por Woody Allen, e o início da delineação de sua persona cinematográfica, que estaria pronta seis anos depois, em sua revolução estética e formal como cineasta (Annie Hall, 1977), e que permearia toda a sua filmografia dali para frente.

   Neste segundo filme, Woody Allen conserva em cada sequência a individualidade do humor, com piadas-situações totalmente distintas para cada espaço cênico, seguindo a linha do que se convencionou chamar de "estilo piada-piada-piada" - que é, na verdade, reflexo de seus tempos de comediante stand-up.

   Logo nos primeiros minutos de Bananas, saltam aos olhos essas situações aparentemente desconexas, embora façam parte da mesma história. É impressionante constatar como o diretor conseguiu dirigir cinco filmes nessa mesma linha de "uma piada por sequência", sem alterar a inteligibilidade e o caráter cinematográfico da obra: Um assaltante bem trapalhão (1969), Bananas (1971), Tudo o que você sempre quis saber sobe sexo... (1972), Dorminhoco (1973) e A última noite de Boris Grushenko (1975).


   Bananas é um daqueles filmes que não dá pausa alguma para o espectador, executando o riso do primeiro ao último minuto. Mas, apesar do toque predominante do humor nessa obra, Woody Allen, que não é, não foi, jamais será e não deseja ser um cineasta político (ele mesmo diz que alguns de seus colegas podem fazer "isso" melhor do que ele, o que é pura verdade), faz uma obra que tem como linha narrativa eventos políticos e mudanças sociais ocorridas em toda a América Latina, iniciadas a partir das independências do século XIX, mas que ganham novos patamares no século XX.
 
   Façamos um breve apanhado histórico desses movimentos para que possamos entender o campo histórico explorado pelo cineasta estadunidense.
 
   Essas manifestações populares latino-americanas, de forte caráter político, e de forte tendência socialista (ou "latinizações" desse sistema), sempre incomodaram os países capitalistas, principalmente aos Estados Unidos, que via (e vê) nesses movimentos, a possibilidade da diminuição ou até interrupção de seus ganhos econômicos nesses países.


   Principalmente após a Segunda Guerra Mundial, ao passo que ascendiam tendências liberalistas e partidos conservadores, e que explodiam golpes militares por toda a América Latina (Brasil em 1964, Chile em 1973, Uruguai em 1973, Argentina em 1966 e 1976, por exemplo), apareciam grupos populares revolucionários dispostos a pegar em armas e lutar contra os governos instituídos (os casos clássicos e vitoriosos são os de Cuba, em 1959, e o da Frente Sandinista, na Nicarágua, em 1979). Vale citar mais uma coisa: a maioria dos países latinos, por terem um clima predominantemente tropical, cultivam a banana, planta muito popular dessas regiões.

   Woody Allen faz uso de todos esses elementos (mais uma pequena carga teórica e temas muito particulares como relacionamentos, sexo e judaísmo) para fechar o roteiro de Bananas, que escreveu em parceria com o amigo de longa data, Mickey Rose.

   O filme teve locações em Porto Rico e nos Estados Unidos, e conta a história de Fielding Mellish (Woody Allen), um descontente testador de produtos de uma grande empresa, que tem sua vida mudada por uma ativista política que bate em sua porta apresentando-lhe um abaixo-assinado. Essa garota, Nancy (Louise Lasser), torna-se namorada de Mellish, mas o abandona, dizendo que lhe falta "algo". Triste e sozinho, Mellish sai do emprego e vai passar férias na República de San Marcos. Sem saber, torna-se alvo de uma conspiração do governo para culpar os comunistas de assassinar um cidadão americano, mas consegue fugir, sendo em seguida atacado pelas costas. Ao acordar, percebe que foi sequestrado pelos rebeldes, e fica com eles até o fim da Revolução, quando tomam o poder. Esposito, o líder dos revolucionários, no entanto, acaba enlouquecendo (promulgando leis do tipo: "todo o cidadão de San Marcos menor de 16 anos, a partir de hoje, terá 16 anos"), e a contra-revolução é articulada com Mellish, como líder. Por "motivos diplomáticos", ele viaja para os Estados Unidos, mas é descoberto pelo FBI, sendo levado a julgamento, onde faz a sua própria defesa. O final é surpreendente.


 A personagem principal de Bananas passa por uma enorme "educação" política, indo do cético e apolítico que abandonou o curso de Estudos Afros na Universidade a líder revolucionário de uma República latino-americana. Não é preciso dizer que toda essa tomada de consciência política e preparação para a guerrilha é extremamente hilária. Ainda poderíamos citar a sequência de sua autodefesa no tribunal, certamente uma das melhores sequências cômicas em tribunais, do cinema (nivela-se às excelentes cenas do julgamento em A costela de Adão, de 1949). Além disso, tudo se torna ainda mais cômico, porque a personagem revolucionária de Mellish é uma sátira a Fidel Castro. Seu não-discurso para uma plateia de ricos burgueses americanos é espetacular.

    Além de tomar a América Latina como palco de seu humor irreverente, Woody Allen critica a indústria televisiva estadunidense, especialmente os noticiários. Na abertura de Bananas, temos uma transmissão ao vivo de San Marcos, feita por um programa de esportes! Observe como é construída essa dualidade satírica: política latina e crítica à TV. A cena descrita abaixo é a abertura do filme: 


   - Boa tarde. "Mundo dos Esportes" está na pequena República de San Marcos. Mostraremos ao vivo a vocês um assassinato sumário. O presidente deste adorável país da América Latina será morto, e substituído por uma ditadura militar. Todos estão tremendamente eufóricos. O clima nessa tarde de domingo está perfeito. Vimos uma série de tumultos coloridos, que começou com o tradicional bombardeio à Embaixada americana, um ritual tão velho quanto a cidade. [...] 


   E a abertura se segue até o assassinato do presidente, como previsto. Toda a sequência desse assassinato é bem televisiva mesmo, com planos de detalhe na mão do assassino, no revólver, no presidente caindo nas escadarias do Palácio do Governo, etc.. Então aparecem os créditos iniciais, embalados pela canção "Quiero la noche" , composta por Marvin Hamlish, que assina a trilha sonora do filme. 

   Esteticamente, Bananas é um filme comum, com cenários geralmente muito claros, onde se pode divisar bem os atores - noção fotográfica que o diretor carrega até hoje, mas trabalhada de forma infinitamente mais artística, mesmo nas tendências mais escuras, como nos filmes fotografados por Gordon Willis, especialmente Interiores (1978) e Memórias (1980). As preocupações estéticas de Woody Allen só começariam a aparecer em seu filme seguinte.

   O cineasta traz à tona uma realidade social de sua época. Embebidas em humor, vemos as lutas populares, as ditaduras, o sistema jurídico e os relacionamentos. Bananas é o início da afirmação de Woody Allen como diretor de cinema. Mesmo sendo um filme quase unicamente composto por quadros de ação cheios de gags, a forma como o diretor conseguiu enlaçar toda a história, fez de Bananas um incrível filme cômico, e um excelente exemplar de início de carreira.


Artigo originalmente publicano no Cine Revista.


BANANAS (EUA, 1971).
Direção: Wody Allen
Elenco: Woody Allen, Louise Lasser , Carlos Montalbán , Natividad Abascal, Jacobo Morales, Miguel Ángel Suárez, David Ortiz, René Enríquez, Jack Axelrod, Howard Cosell, Roger Grimsby, Don Dunphy. 


FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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