16 de jul. de 2011

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2



por Luiz Santiago


ATENÇÃO: O texto que se segue está repleto de spoilers, portanto, se você ainda não assistiu ao filme, não o leia!

     Após 10 anos, 7 filmes e quase 20horas de projeção (sem contar os 7 livros e as 3300 páginas), uma das maiores sagas de todos os tempos chega ao fim. Dotado de um forte senso de nostalgia e repleto de ação em seus 130 minutos, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (2011) traz com muita dignidade o fim da série, embora algumas expectativas frustradas colaborem para fazer o espectador desgostar desse ou daquele rumo dado ao filme. Embora essas questões pontuem toda e qualquer obra adaptada para o cinema – com pontuou também toda a série Harry Potter – essa última parte é um momento delicado (o último!) e é importante que o vejamos de uma maneira diferente.

     Sendo uma continuação imediata do filme anterior, não havia outro meio para o diretor David Yates que não o de trazer desde o início a atmosfera de tristeza, abandono e medo que sobrevivera ao final da película anterior, quando Voldemort consegue uma das relíquias da morte. Nesse sentido, não é de estranhar que o filme se inicie com uma carga reticente de acontecimentos e que traga um grande fluxo de ação antes mesmo de completada a primeira meia hora de projeção. Um outro fator a ser observado é algo que já citei no meu texto anterior sobre a saga: a partir de A Ordem da Fênix, foi inaugurada a “Era do Espectador Potteriano”, ou seja, só entenderia bem o desenvolvimento da saga quem leu os livros. As autorreferências e as muitas “partes não explicadas” a partir de então se devem a isso: uma fidelidade aos que leram a obra. A estranheza fica para os que só conhecem Potter através do cinema, uma forma arriscada de levar a cabo uma franquia, é verdade, mas convenhamos que não fez diferença alguma para os lucros dos lançamentos a partir de então, muito pelo contrário.


     Sendo resultado de um “trabalho de retalhos”, essa última parte da saga peca no ritmo externo e tropeça em alguns momentos no ritmo interno. No primeiro caso, estamos diante do menor de todos os oito filmes (não é uma grande diferença de tempo, mas mesmo assim...), e por isso mesmo a enorme quantidade de acontecimentos precisam ser condensadas e agrupadas de modo lógico para que tudo se encontre e resolva no final. A tarefa do editor Mark Day (na franquia desde o quinto filme) foi particularmente difícil, e apesar das suas tentativas de equilibrar o filme, não logrou fazê-lo o tempo todo, especialmente se considerarmos o final, quando, a despeito da força das cenas, houve uma grande desaceleração dramática. No segundo caso, o trabalho da montagem paralela chegou a desestruturar algumas sequências, porque, embora intensificasse o suspense por algum tempo, no final das contas chegava ao produto fácil, com o “encontro” entre as cenas; ou não chegava a lugar algum, os dois acontecimentos se resolvendo por si só em lugares separados, como na cena em que o trio protagonista foge salvando Draco Malfoy da Sala Precisa, tomada pelo fogo.

     Em uma análise mais pormenorizada, percebemos que As Relíquias da Morte – Parte 2 é um filme que foi pensado para “ter cara de último filme”, daí o desfile de personagens – inclusive os mortos – na tela. Os flashbacks e o tom nostálgico são os grandes responsáveis por emocionar o espectador e fazer deste o melhor filme (pelo menos o que contém mais acertos) de toda a série.

     Antes demais nada, Harry Potter representa toda uma geração que cresceu lendo os livros e assistindo aos filmes, portanto, não se trata de pouca coisa, trata-se de uma geração inteira que se reconhece, também na ficção, como adultos; por isso a grande identificação com tudo o que temos nesse último filme. Isso ficou claro para mim na sessão lotada em que eu o assisti. Houve aplausos e ovações quando Rony e Hermione se beijaram, houve um ataque geral de risos nervosos quando Voldemort dá a sua risada de felicidade ao anunciar que Harry estava morto, houve aplausos quando Belatrix Lestrange foi morta por Molly Weasley, e quando Neville matou a cobra Nagini, a última Horcrux. Esta foi a segunda experiência mais curiosa que eu já tive em uma sala de cinema, e devo dizer que foi um prazer presenciar tudo isso.


     Na direção, David Yates é melhor do que fora nos outros filmes, e o mesmo mérito cabe ao elenco jovem (porque o de veteranos nunca foi ruim, ou mesmo mediano). Daniel Radicliffe e Emma Watson estão corretos, o primeiro em sua melhor apresentação de toda a série, e a segunda acompanhando apenas a ascendência de postura vinda com a idade. O destaque vai para Rupert Grint, que sempre considerei melhor que os outros dois, e que apesar de aparecer pouco, faz com muitíssima competência as suas cenas. Tenho acompanhado a carreira do trio fora da franquia, e as atuações de Grint nos trabalhos que vem fazendo reafirmam o seu enorme potencial como ator, e destaco aqui suas personagens em Lições de Vida (2006) e Cherrybomb (2009). Na pele de Belatrix Lestrange, Helena Bonham Carter é uma revelação, com duas aparições completamente diferente e absolutamente perfeitas. O outro destaque – e esse também pelo cunho emocional que carrega – vai para Alan Rickman, o misterioso Severus Snape. Lágrimas, paixão e dor, são palavras que podemos associar à sua personagem nessa parte final, e a sequência de sua morte e o que se segue é certamente uma das melhores cenas do filme. Matthew Lewis, o atrapalhado (e agora um grande bruxo) Neville Longbottom destaca-se bastante, e coube a ele uma das cenas mais legais do final da película. Ralph Fiennes dá um show de maldade na pele de Lord Voldemort. Além da excelente caracterização (ótimo trabalho de maquiagem e figurinos), o ator consegue trazer consigo todo o símbolo do mal. É realmente impagável.

     Com maravilhosos efeitos visuais e especiais (os melhores da saga, sem dúvida alguma) e a hipnotizante música de Alexandre Desplat, o filme consegue se afirmar como produto inteiro. Se tropeça em alguns pontos de sua forma técnica, ganha outros tantos na ação, nas atuações, na direção de arte e na fotografia, aliás, um louvável trabalho de Eduardo Serra, que passa da predominância de tons escuros, azulados e negros, para um final de filme bem iluminado e, apesar de não descaracterizar o todo da obra usando excesso de cores quentes, a mudança é visual e dramaticamente significativa e dá o acertado ar de esperança para o final.

     Em tempos de paz, apenas o chavão recorrente da afirmação da família (postura já contida na obra) poderia caber na cena final, e é o que acontece. Mesmo sem a essência mais familiar e mais “humana” do livro, temos no desfecho a sensação de que tudo, enfim, acabou. Todos os dramas de uma vida, os medos e as esperanças estão ali. O garoto que sobreviveu e seus amigos agora são pais de família. Nada indica que o mau retornará. O bem venceu. E por mais clichê que isso possa parecer, isso agrada. Harry Potter e o seu mundo bruxo, sem as tantas ameaças que tinha, ficam tão normais quanto o mundo dos trouxas. E por isso mesmo é hora de acabar. Como o trem que parte de King's Cross, vemos o grande fenômeno cinematográfico de nosso tempo partir. É o fim de uma Era.


Texto dedicado às pessoas que, assim como eu, cresceram e acompanharam a série, especialmente Karla Santiago, Leila Oliveira, Marcel Moreno, Marta Silva e Tiago Souza.


HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE – PARTE 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, UK, EUA, 2011).
Direção: David Yates
Elenco: Ralph Fiennes, Michael Gambon, Alan Rickman, Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Evanna Lynch, John Hurt, Helena Bonham Carter.



FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

Twitter Delicious Digg Stumbleupon Favorites More

 
Powered by Blogger