por Luiz Santiago
ATENÇÃO: O texto que se segue está repleto de spoilers, portanto, se você ainda não assistiu ao filme, não o leia!
Após 10 anos, 7 filmes e quase 20horas de projeção (sem contar os 7 livros e as 3300 páginas), uma das maiores sagas de todos os tempos chega ao fim. Dotado de um forte senso de nostalgia e repleto de ação em seus 130 minutos, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (2011) traz com muita dignidade o fim da série, embora algumas expectativas frustradas colaborem para fazer o espectador desgostar desse ou daquele rumo dado ao filme. Embora essas questões pontuem toda e qualquer obra adaptada para o cinema – com pontuou também toda a série Harry Potter – essa última parte é um momento delicado (o último!) e é importante que o vejamos de uma maneira diferente.
Sendo uma continuação imediata do filme anterior, não havia outro meio para o diretor David Yates que não o de trazer desde o início a atmosfera de tristeza, abandono e medo que sobrevivera ao final da película anterior, quando Voldemort consegue uma das relíquias da morte. Nesse sentido, não é de estranhar que o filme se inicie com uma carga reticente de acontecimentos e que traga um grande fluxo de ação antes mesmo de completada a primeira meia hora de projeção. Um outro fator a ser observado é algo que já citei no meu texto anterior sobre a saga: a partir de A Ordem da Fênix, foi inaugurada a “Era do Espectador Potteriano”, ou seja, só entenderia bem o desenvolvimento da saga quem leu os livros. As autorreferências e as muitas “partes não explicadas” a partir de então se devem a isso: uma fidelidade aos que leram a obra. A estranheza fica para os que só conhecem Potter através do cinema, uma forma arriscada de levar a cabo uma franquia, é verdade, mas convenhamos que não fez diferença alguma para os lucros dos lançamentos a partir de então, muito pelo contrário.
Sendo resultado de um “trabalho de retalhos”, essa última parte da saga peca no ritmo externo e tropeça em alguns momentos no ritmo interno. No primeiro caso, estamos diante do menor de todos os oito filmes (não é uma grande diferença de tempo, mas mesmo assim...), e por isso mesmo a enorme quantidade de acontecimentos precisam ser condensadas e agrupadas de modo lógico para que tudo se encontre e resolva no final. A tarefa do editor Mark Day (na franquia desde o quinto filme) foi particularmente difícil, e apesar das suas tentativas de equilibrar o filme, não logrou fazê-lo o tempo todo, especialmente se considerarmos o final, quando, a despeito da força das cenas, houve uma grande desaceleração dramática. No segundo caso, o trabalho da montagem paralela chegou a desestruturar algumas sequências, porque, embora intensificasse o suspense por algum tempo, no final das contas chegava ao produto fácil, com o “encontro” entre as cenas; ou não chegava a lugar algum, os dois acontecimentos se resolvendo por si só em lugares separados, como na cena em que o trio protagonista foge salvando Draco Malfoy da Sala Precisa, tomada pelo fogo.
Em uma análise mais pormenorizada, percebemos que As Relíquias da Morte – Parte 2 é um filme que foi pensado para “ter cara de último filme”, daí o desfile de personagens – inclusive os mortos – na tela. Os flashbacks e o tom nostálgico são os grandes responsáveis por emocionar o espectador e fazer deste o melhor filme (pelo menos o que contém mais acertos) de toda a série.
Antes demais nada, Harry Potter representa toda uma geração que cresceu lendo os livros e assistindo aos filmes, portanto, não se trata de pouca coisa, trata-se de uma geração inteira que se reconhece, também na ficção, como adultos; por isso a grande identificação com tudo o que temos nesse último filme. Isso ficou claro para mim na sessão lotada em que eu o assisti. Houve aplausos e ovações quando Rony e Hermione se beijaram, houve um ataque geral de risos nervosos quando Voldemort dá a sua risada de felicidade ao anunciar que Harry estava morto, houve aplausos quando Belatrix Lestrange foi morta por Molly Weasley, e quando Neville matou a cobra Nagini, a última Horcrux. Esta foi a segunda experiência mais curiosa que eu já tive em uma sala de cinema, e devo dizer que foi um prazer presenciar tudo isso.
Na direção, David Yates é melhor do que fora nos outros filmes, e o mesmo mérito cabe ao elenco jovem (porque o de veteranos nunca foi ruim, ou mesmo mediano). Daniel Radicliffe e Emma Watson estão corretos, o primeiro em sua melhor apresentação de toda a série, e a segunda acompanhando apenas a ascendência de postura vinda com a idade. O destaque vai para Rupert Grint, que sempre considerei melhor que os outros dois, e que apesar de aparecer pouco, faz com muitíssima competência as suas cenas. Tenho acompanhado a carreira do trio fora da franquia, e as atuações de Grint nos trabalhos que vem fazendo reafirmam o seu enorme potencial como ator, e destaco aqui suas personagens em Lições de Vida (2006) e Cherrybomb (2009). Na pele de Belatrix Lestrange, Helena Bonham Carter é uma revelação, com duas aparições completamente diferente e absolutamente perfeitas. O outro destaque – e esse também pelo cunho emocional que carrega – vai para Alan Rickman, o misterioso Severus Snape. Lágrimas, paixão e dor, são palavras que podemos associar à sua personagem nessa parte final, e a sequência de sua morte e o que se segue é certamente uma das melhores cenas do filme. Matthew Lewis, o atrapalhado (e agora um grande bruxo) Neville Longbottom destaca-se bastante, e coube a ele uma das cenas mais legais do final da película. Ralph Fiennes dá um show de maldade na pele de Lord Voldemort. Além da excelente caracterização (ótimo trabalho de maquiagem e figurinos), o ator consegue trazer consigo todo o símbolo do mal. É realmente impagável.
Com maravilhosos efeitos visuais e especiais (os melhores da saga, sem dúvida alguma) e a hipnotizante música de Alexandre Desplat, o filme consegue se afirmar como produto inteiro. Se tropeça em alguns pontos de sua forma técnica, ganha outros tantos na ação, nas atuações, na direção de arte e na fotografia, aliás, um louvável trabalho de Eduardo Serra, que passa da predominância de tons escuros, azulados e negros, para um final de filme bem iluminado e, apesar de não descaracterizar o todo da obra usando excesso de cores quentes, a mudança é visual e dramaticamente significativa e dá o acertado ar de esperança para o final.
Em tempos de paz, apenas o chavão recorrente da afirmação da família (postura já contida na obra) poderia caber na cena final, e é o que acontece. Mesmo sem a essência mais familiar e mais “humana” do livro, temos no desfecho a sensação de que tudo, enfim, acabou. Todos os dramas de uma vida, os medos e as esperanças estão ali. O garoto que sobreviveu e seus amigos agora são pais de família. Nada indica que o mau retornará. O bem venceu. E por mais clichê que isso possa parecer, isso agrada. Harry Potter e o seu mundo bruxo, sem as tantas ameaças que tinha, ficam tão normais quanto o mundo dos trouxas. E por isso mesmo é hora de acabar. Como o trem que parte de King's Cross, vemos o grande fenômeno cinematográfico de nosso tempo partir. É o fim de uma Era.
* Texto dedicado às pessoas que, assim como eu, cresceram e acompanharam a série, especialmente Karla Santiago, Leila Oliveira, Marcel Moreno, Marta Silva e Tiago Souza.
HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE – PARTE 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, UK, EUA, 2011).
Direção: David Yates
Elenco: Ralph Fiennes, Michael Gambon, Alan Rickman, Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Evanna Lynch, John Hurt, Helena Bonham Carter.
FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.