3 de fev. de 2012

Machado de Assis no Cinema

 



por Luiz Santiago

          As adaptações literárias sempre causam discordância e até furor nos espectadores. A mudança da mídia impressa para o audiovisual incomoda os leitores mais exigentes, que cobram do cinema uma representação tal e qual havia imaginado na leitura do livro. Se contarmos as livre adaptações, que já em sua concepção, pretendem ser diferentes, a briga entre o cinéfilo e o leitor (que podem ser a mesma pessoa) ganha proporções monstruosas. Nosso objetivo nessa postagem, é trazer à memória algumas adaptações de obras literárias  de um dos nossos maiores escritores, o carioca Machado de Assis (1839 - 1908).




Filme: Esse Rio que eu Amo (filme em episódios).
Ano: 1962

Direção: Carlos Hugo Christensen
Obra: Noite de Almirante (1884).

Trecho da obra: "Pode ser que qualquer outra mulher tivesse igual palavra; poucas lhe dariam uma expressão tão cândida, não de propósito, mas involuntariamente. Vede que estamos aqui muito próximos da natureza. Que mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta pedra que caiu de cima? Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das pedras. Deolindo declarou, com um gesto de desespero, que queria matá-lo. Genoveva olhou para ele com desprezo, sorriu de leve e deu um muxoxo; e, como ele lhe falasse de ingratidão e perjúrio, não pôde disfarçar o pasmo. Que perjúrio? que ingratidão? Já lhe tinha dito e repetia que quando jurou era verdade. Nossa Senhora, que ali estava, em cima da cômoda, sabia se era verdade ou não. Era assim que lhe pagava o que padeceu? E ele que tanto enchia a boca de fidelidade, tinha-se lembrado dela por onde andou?".




Filme: Capitu.
Ano: 1968

Direção: Paulo Cesar Saraceni
Obra: Dom Casmurro (1899).

Trecho da obra: "Aos cinco e seis anos, Ezequiel não parecia desmentir os meus sonhos da Praia da Glória; ao contrário, adivinhavam-se nele todas as vocações possíveis, desde vadio até apóstolo. Vadio é aqui posto no bom sentido, no sentido de homem que pensa e cala; metia-se às vezes consigo, e nisto fazia lembrar a mãe, desde pequena. Assim também, agitava-se todo e instava por ir persuadir às vizinhas que os doces que eu lhe trazia eram doces deveras; não o fazia antes de farto deles, mas também os apóstolos não levam a boa doutrina senão depois de a terem toda no coração. Escobar, bom negociante, opinava que a causa principal desta outra inclinação, talvez fosse convidar implicitamente as vizinhas a igual apostolado, quando os pais lhe trouxessem doces; e ria-se da própria graça, e anunciava-me que o faria seu sócio.".




Filme: Viagem ao Fim do Mundo.
Ano: 1968

Direção: Fernando Campos
Obra: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881).

Trecho da obra: "Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo."




Filme: Azyllo Muito Louco.
Ano: 1970

Direção: Nelson Pereira dos Santos
Obra: O Alienista (1882).

Trecho da obra: "E tinham razão. De todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a Casa Verde era uma povoação. Não bastaram os primeiros cubículos; mandou-se anexar uma galeria de mais trinta e sete. O Padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo, e menos ainda o inexplicável de alguns casos."




Filme: Um Homem Célebre.
Ano: 1974

Direção: Miguel Faria Jr.
Obra: Um Homem Célebre (1896).

Trecho da obra: "Veio o café; Pestana engoliu a primeira xícara, e sentou-se ao piano. Olhou para o retrato de Beethoven, e começou a executar a sonata, sem saber de si, desvairado ou absorto, mas com grande perfeição. Repetiu a peça, depois parou alguns instantes, levantou-se e foi a uma das janelas. Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e executou-o do mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda xícara de café."




Filme: Confissões de Uma Viúva Moça.
Ano: 1976

Direção: Adnor Pitanga
Obra: Confissões de Uma Viúva Moça (1870).

Trecho da obra: "Minha casa era um ponto de reunião de alguns rapazes conversados e algumas moças elegantes. Eu, rainha eleita pelo voto universal... de minha casa, presidia aos serões familiares. Fora de casa, tínhamos os teatros animados, as partidas das amigas, mil outras distrações que davam à minha vida certas alegrias exteriores em falta das íntimas, que são as únicas verdadeiras e fecundas. Se eu não era feliz, vivia alegre. E aqui vai o começo do meu romance."




Filme: A Causa Secreta.
Ano: 1994

Direção: Sérgio Bianchi
Obra: A Causa Secreta (1896).

Trecho da obra: "Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço."


Filme: O Enfermeiro.
Ano: 1999

Direção: Mauro Farias
Obra: O Enfermeiro (1896).

Trecho da obra: "Quando percebi que o doente expirava, recuei aterrado, e dei um grito; mas ninguém me ouviu. Voltei à cama, agitei-o para chamá-lo à vida, era tarde; arrebentara o aneurisma, e o coronel morreu. Passei à sala contígua, e durante duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso mesmo dizer tudo o que passei, durante esse tempo. Era um atordoamento, um delírio vago e estúpido. Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava umas vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino! assassino!"





Filme: Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Ano: 2001

Direção: André Klotzel
Obra: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881).

Trecho da obra: "Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à
direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem..."


Filme: Dom.
Ano: 2003

Direção: Moacyr Góes
Obra: Dom Casmurro (1899).

Trecho da obra: "— Quando era mais jovem; era criança, era natural, ele podia passar por criado. Mas você está ficando moço e ele vai tomando confiança. D. Glória, afinal, não pode gostar disso. A gente Pádua não é de todo má. Capitu, apesar daqueles olhos que o Diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! a adulação! D. Fortunata merece estima, e ele não nego que seja honesto, tem um bom emprego, possui a casa em que mora, mas honestidade e estima não bastam, e as outras qualidades perdem muito de valor com as más companhias em que ele anda. Pádua tem uma tendência para gente reles. Em lhe cheirando a homem chulo é com ele. Não digo isto por ódio, nem porque ele fale mal de mim e se ria, como se riu, há dias, dos meus sapatos acalcanhados..."



Filme: A Cartomante.
Ano: 2004

Direção: Wagner de Assis e Pablo Uranga
Obra: A Cartomante (1896).

Trecho da obra: "A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto..."



Filme: Quanto Vale ou é por Quilo?
Ano: 2005

Direção: Sérgio Bianchi
Obra: Pai Contra Mãe (1906).

Trecho da obra: "Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem." 



Filme: A Erva do Rato
Ano: 2008

Direção: Júlio Bressane e Rosa Dias
Obras: A Causa Secreta (1896) e Um Esqueleto (1875).

Trecho da obra Um Esqueleto: "Ao terminar estas palavras, o doutor beijou respeitosamente a mão do esqueleto. Estremeci e olhei para D. Marcelina. Esta fechara os olhos. Eu estava ansioso por terminar aquela cena que realmente me repugnava presenciar. O doutor não parecia reparar em nada. Continuou a falar no mesmo assunto, e por mais esforços que eu fizesse para o desviar dele era impossível. Estávamos à sobremesa quando o doutor, interrompendo um silêncio que durava já havia dez minutos perguntou:

— E segundo me parece, ainda lhe não contei a história deste esqueleto, quero dizer a história de minha mulher?"


Filme: O Demoninho dos Olhos Pretos
Ano: 2008

Direção: Haroldo Marinho Barbosa
Obra: Contos Fluminenses (1870).

Trecho da obra: "Luís Soares teve um instante de desengano. Indiferente à moça, já começava a odiá-la; se casasse com ela era provável que a tratasse como inimigo mortal. A situação tornava-se ridícula para ele; ou antes, já o era há muito, mas Soares só então o compreendeu. Para escapar ao ridículo, resolveu dar um golpe final, mas grande. Aproveitou a primeira ocasião que pôde, e fez uma declaração positiva à moça, cheia de súplicas, de suspiros, talvez de lágrimas. Confessou os seus erros; reconheceu que não a havia compreendido; mas arrependera-se e confessava tudo. A influência dela acabara por abatê-lo."


Filme: Os Óculos de Pedro Antão
Ano: 2008

Direção: Adolfo Rosenthal
Obra: Os Óculos de Pedro Antão (1874).

Trecho da obra: "Três causas diversas podem aconselhar o uso dos óculos. A primeira de todas é a debilidade do órgão visual, causa legítima, menos comum do que parece e mais vulgar do que devia ser. Vê-se hoje um rapaz entrado na puberdade e já adornado com um par de óculos, não por gosto, senão por necessidade. A natureza conspira para estabelecer o reinado dos míopes."



Filme: Uns Braços
Ano: 2009

Direção: Adolfo Rosenthal
Obra: Uns Braços (1896).

Trecho da obra: "Já nessa noite, D. Severina mirava por baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D. Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à pobre criança."


PRÉ-PRODUÇÃO

          Sem confirmação e data para as filmagens, a pré-produção de A Igreja do Diabo, projeto a ser dirigido por Manuel de Oliveira, ainda é uma hipótese. Com elenco português e brasileiro, o filme deverá trazer uma atraente adaptação do conto de Machado de Assis. Como a obra ainda não existe, ficamos com um trecho do conto.

          A Igreja do Diabo (1884): "Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez."


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