20 de nov. de 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte I


OU

AS NOVIDADES EMPOEIRADAS DO INÍCIO DO FIM


por Luiz Santiago


     Após o duo inicial encantador e pueril de Chris Columbus para a série Harry Potter, tivemos a visão um pouco cansativa mas muitíssimo autoral de Alfonso Cuarón para O Prisioneiro de Azkaban, a prioridade dos efeitos e avanço da história em detrimento da qualidade, na versão de Mike Newell para O Cálice de Fogo, e chegamos a David Yates que assinou o contrato para a direção de A Ordem da Fênix, e conseguiu cadeira cativa e a missão de finalizar a série cinematográfica mais cotada desse início de século, ao lado de O Senhor do Anéis.

     A Ordem da Fênix, um dos livros mais complexos da série, teve uma versão cinematográfica rala e ainda marcou o início da Era do Espectador Potteriano, ou seja, só entenderia completamente os filmes dali para frente, quem tivesse lido os livros da britânica J.K. Rowling. Não é preciso dizer que para o cinema, essa atitude de “grupo fechado” é algo completamente anormal e imperdoável, mas por outro lado, os fãs do menino bruxo sentem-se privilegiados pelo domínio pleno de uma linguagem e sucessão de fatos incompreensíveis para o mundo dos trouxas.


     Em O Enigma do Príncipe, uma tendência fotográfica abominável que muito permeia os filmes de fantasia dessa Era Digital encontrou nos tons verdes e cinza seu reino eterno: o monocromatismo. Além disso, a pouca originalidade da trilha sonora, sem John Williams na composição desde Azkaban, serviu para dar ânsias e semear o mau estar nos fãs mais exigentes da série e nos espectadores mais críticos, algo que, felizmente, diminui muito nessa penúltima parte que estreou ontem nos cinemas de todo o mundo: As Relíquias da Morte: Parte I.

     Se nos dois filmes que dirigiu anteriormente David Yates priorizou os efeitos visuais e especiais acrescidos de uma agilidade quase forçada a fim de dar andamento à história, nessa penúltima parte, em duas horas e vinte e seis minutos de filme, o objetivo é outro: trazer o máximo de elementos do livro para a tela, plasmar o amadurecimento emocional-psicológico e mágico dos protagonistas, e dar conta do mundo ameaçado pelas forças de Lord Voldemort, um mundo de medo, repressão, prisão e julgamentos arbitrários de bruxos de “sangue ruim” e busca solitária por objetos ícones para o “lado das trevas” (qualquer semelhança com a dinâmica fascista não é mera coincidência).

     Apesar dessa nova linha de direção – a tardia mas oportuna remissão antes do fim – é muito difícil analisarmos essa primeira parte do último capítulo da série, porque ela é o meio de um processo iniciado no filme anterior, e que será completa no próximo ano. Ainda assim, As Relíquias da Morte I possui luxos e lixos dignos de um olhar mais atento.


     Já nas primeiras sequências, a sensibilidade quase lírica com que vemos Hermione Granger apagar a memória dos pais e sua foto de todos os quadros da casa, e as tomadas paralelas do trio protagonista, mostram o estado de espírito de cada um e o rumo que seguem a partir daquele momento. O filme, desde a sua introdução, é a saída para uma longa busca.

     Em meio ao tenso e macabro mundo em que vivem os bruxos, pontadas de humor e inadequações dramáticas quebram a atmosfera lúgubre: o casamento de Fleur e Gui Weasley, a invasão do Ministério da Magia por Harry, Rony e Hermione, as tentativas de reconciliação de Rony com Hermione, após voltar para a cabana, e, a primeira de todas as sequências cômicas embora dentro de um contexto nada engraçado: a transfiguração dos sete Potter. Mesmo o uso da câmera e a moderada quantidade de planos nessas sequências são exemplos de um leve amadurecimento narrativo, o que podemos dizer que também aconteceu com a fotografia e o uso da música.

     A montagem preferiu a divisão entre os planos como se fossem capítulos do livro (a aproximação é nítida), e o uso do fade-out foi a transição usada em larga escala. A suavidade entre os blocos de ação, no entanto, não justificam a supressão do preparo dos acontecimentos. Tudo acontece muito rápido, e essa é a poeira que acompanha o novo vento de David Yates. As longas panorâmicas geográficas e os planos médios de observação das vigílias de Harry e Hermione, poderiam dar lugar ao processo de criação da ação, o que deixaria a narrativa muito mais embebida em suspense, recurso usado de forma parca e porca. Apesar disso, há momentos de clímax (não falamos de uma película em que nada acontece) e boa expectativa para o porvir das cenas, embora já tragam consigo a repetição do elemento ágil, o bolor da trama.



     Apesar de não inovar completamente, e pecar sem escrúpulos na passagem do tempo e trabalho com a decupagem, rompantes de criatividade e beleza arrebatam o espectador, sendo a maior delas, a representação em animação de O Conto dos Três Irmãos. Aqui, a fotografia do português Eduardo Serra alcança um de seus melhores momentos no filme, que segue uma linha entre regular e ruim durante todo o tempo. As sombras que desfilam para formar a história que ouvimos narrada em off são um espetáculo à parte. Nunca, em nenhum dos filmes da série, uma sequência tão bela e fora da trama teve tanto a ver com o contexto e conseguiu tamanha beleza e pertinência na história. Mesmo os elementos visuais (a pena negra de um corvo e um pequeno pântano) que ligam a casa de Xenofílio Lovegood à história macabra (“_Era uma vez três irmãos que estavam viajando por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer...”) correspondem imageticamente à representação, quase um teatro de sombras digital.

     A emoção e o definitivo clima de guerra são as colunas que sustentam esse penúltimo filme da série. A morte da coruja Edwiges, do elfo Dobby, e do líder da Ordem da Fênix, Alastor Moody, dentre outras, servem para salientar a maldade dos Comensais da Morte e a impotência dos bruxos bons frente a essa força que cresce desenfreadamente.


     A supressão do tempo de preparação de algumas ações-chave para a trama, tentam ser corrigidas através das visões de Harry em contato com a mente de Voldemort. Sequestros, mortes e violações, são pré-vistas pelo jovem e mostradas rapidamente ao espectador, culminando na última cena do filme, quando o túmulo de Dumbledore é violado, e a principal relíquia da morte roubada pelo lorde das trevas.

     Esta primeira parte de As Relíquias da Morte é menos odiosa que os outros filmes assinados por Yates. Embora não seja um excelente filme, agrada por seu moderado dinamismo narrativo, pela revelação leve da sexualidade, pelos sustos e efeitos especiais. A história perde no roteiro que prima pela languidez (a divisão em duas partes foi realmente necessária?), carregando muito tempo morto em seu bojo e deixando de lado o caminho da ação, algo tão prezado no último livro. Espera-se, dada a realidade mais amadurecida que hora temos, uma Parte II épica e definitivamente muito boa. Por hora, é contentar-se em ver algo novo (nos cinemas e quando sair em DVD) que ainda não consegue tirar a poeira da adaptação. Daqui a um ano, quando do lançamento final e definitivo, esperamos não escrever um texto com apenas duas palavras, e desejar que seu efeito atinja o diretor do filme: Avada Kedavra.


HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE: Parte I (Harry Potter and the deathly hallows: Part I, UK, EUA, 2010).
Direção: David Yates.
Elenco: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Helena Bonham Carter, Ralph Fiennes, Alan Rickman, Bonnie Wright, Tom Feltom.

FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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