por Luiz Santiago
Primeiro sucesso comercial de Bergman, seu quarto filme e sua entrada definitiva na Svensk Filmindustri, Música na Noite destacou-se melhor que as outras três películas do diretor, mas não é necessariamente melhor dirigido que Um Barco Para a Índia, por exemplo. O ganho principal dessa quarta obra do mestre sueco está no plano técnico, e é impossível não lembrar da cena de abertura, quando a personagem de Bengt (Birger Malmsten, numa interpretação excepcional) sobrevive ao acidente e se dá conta de que está cego. Os pesadelos e a indicação da perturbação e transformação psicológica da personagem passa pelo fantástico e inusitado, destoando do restante do filme, mas com um resultado primoroso.
O roteiro, que é uma adaptação do romance de Dagmar Edqvist, apesar de se desenvolver de maneira correta, não ultrapassa essa linha da normalidade. O filme conta com momentos políticos, em trechos literários e personagens socialistas; musicais, com a reprodução de peças de Chopin, Beethoven e Badarzewska Baranowska; e neorrealistas, com destaque para a sequência de Bengt na linha do trem, cena de um tom puramente rosselliniano. Esse desenvolvimento apenas correto da história central, apesar de emocionar bastante, não consegue sustentar as várias pequenas narrativas que se apresentam no meio do caminho, e chega a deixar pontas não amarradas na história. Tudo caminha para o desfecho do final feliz, e só não torna o filme medíocre, porque o tratamento de Bergman dado às cenas que filma, junto ao uso dramático e sugestivo da música, consegue dar um bom ritmo e uma boa adequação ao produto final.
É interessante perceber como em cada filme de sua primeira fase, Bergman se tornava cada vez mais icônico. Se em Um Barco Para a Índia ou Chove Sobre Nosso Amor, já tínhamos o uso de elementos do cenário como indicadores de sentimentos ou dramas particulares, em Música na Noite, os objetos do cenário funcionam como uma introdução à atmosfera da cena, e são usados em grande quantidade até o meio do filme. Um anjo com uma trombeta, um prato com espinhas de peixe, um cômodo vazio, são exemplos de que Bergman já criava a sua cartilha de símbolos.
A fotografia de Göran Strindberg também segue uma tendência neorrealista, deixando mais o cenário falar por si do que tentando pintar com a luz as diversas nuances dramáticas daquele espaço. Diferente dos outros dois filmes que trabalhou com Bergman, em Música na Noite, o fotógrafo opta por uma atmosfera mais lúgubre, abusa das sombras e névoas, deixa até um ar meio noir em tomadas noturnas e externas, sequências muito bonitas de se ver.
O romance dirigido por Bergman em Música na Noite não termina bem. O filme apresenta um avançado domínio técnico, uma tendência ao experimentalismo e o início das convenções do cinema do diretor, mas o seu produto fechado não é tão primoroso quanto o público julgou à época, enchendo as salas de cinema. Embora funcione relativamente bem, penso que o desfecho da história está aquém daquilo que conhecemos como “final bergmaniano”. A confirmação disso vem quando lemos algumas entrevistas do diretor apontando Lorens Marmstedt, o produtor da fita, como o principal “podador” do filme, fazendo o iniciante realizador curvar-se às imposições do Estúdio. Mesmo assim, temos um romance incomum e muito profundo em Música na Noite. O plano técnico é de fato o grande destaque do filme, mas não se pode deixar de perceber a rigorosa direção de atores e o cuidado extremo com a composição dos quadros. Sensível e emocionante, Música na Noite é um hino à vida, à superação das dificuldades, e ao amor.
MÚSICA NA NOITE (Musik i Mörker, Suécia, 1948).
Direção: Ingmar Bergman
Elenco: Mai Zetterling, Birger Malmsten, Olof Winnerstrand, Bibi Skoglun, Hilda Borgström, Gunnar Björnstrand, Douglas Hage.