13 de nov. de 2010

A Máscara da Ilusão



por Luiz Santiago

     Quem um dia pensou que o cinema regido pelas regras dos efeitos especiais não produziria algo apuradamente artístico – no sentido plástico e da constituição da atmosfera do filme, resultando em uma obra puramente abstrata e onírica – ou que impressionasse pela surreal estética e força simbólica das imagens, há muito teve suas crenças frustradas.

     A Era Digital, em crescimento desde o início dos anos 1990, caminhou entre boas sutilezas e doentios exageros, mas em todos os seus legítimos exemplares, temos como mote a quebra total com a realidade possível, plasmada em exuberante visual – da fotografia aos efeitos especiais amarrados à trama –, cujo maior representante da década é Matrix (1999).

     Na Era Digital, as adaptações dos quadrinhos ou da literatura antes impossíveis (O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), por exemplo), e uso de técnicas narrativas puramente artísticas, tornaram as obras cada vez mais ousadas. As produções cinematográficas da Era Digital, na linha dos blockbuster dos anos 1970 (com o “a mais” proporcionado pela computação gráfica), valem-se também dos novos formatos de tela e da nova tecnologia para aprimorar o mundo diegético fantástico, e mudar a linha de produção e popularização dos gêneros mais dinâmicos ou que melhor comportam e exigem esses efeitos: ficção científica, fantasia, ação, desastre, aventura e horror. O que nos chama a atenção, é que algumas adaptações, as dos quadrinhos, por exemplo, quase sempre reservam ótimas surpresas (Batman – o cavaleiro das trevas ou O Justiceiro), surpresas essas que se repetem em obras de cineastas ligados aos quadrinhos ou às artes plásticas, como Hayao Miyazaki, Peter Greenway e Tim Burton.


     Máscara da Ilusão (2005), é produto dessa Era Digital que ensaiamos acima, e obra vinda da mente do desenhista de quadrinhos, ilustrador, cineasta e músico Dave McKean, e do romancista e roteirista de quadrinhos, Neil Gaiman. Dentro do espetáculo imagético, por razões óbvias, o filme consegue garantir um bom show.

     Sem dividir paralelamente o roteiro em dois mundos que se opõem, Neil Gaiman adotou uma história contada desde o início de modo quase psicodélico: quando não está no circo ou nas rápidas passagens pelo “mundo normal”, está em Dark Lands, terra ameaçada pelo avanço das Sombras, depois que a Rainha da Luz caiu em um sono profundo que só pode ser interrompido com a Máscara da Ilusão, objeto mágico que devolveria tudo ao seu lugar.

Desde a abertura do filme, com a criatividade e a apresentação paralela dos créditos animados a esquetes do mundo circense, podemos perceber o grau de abstracionismo a que o filme está exposto. No decorrer do tempo, o próprio objeto de composição da história se torna quase a própria arte, e a inegável beleza das imagens e dos efeitos especiais parecem hipnotizar-nos.


     A fotografia funciona quase como uma verdadeira ilusão, porque satura em uma pequena explosão de cores cada espaço cênico, embora a paleta não sofra gritantes alterações cromáticas de cena para cena, sendo apenas os espaços muito particulares, dotados de cor contrastante com a do mundo exterior. Diferente do estouro monocromático à guisa de “desenhar bem a atmosfera” - algo que enfeia em demasia qualquer filme, e cujos exemplos mais recentes demonstram o mal gosto da explosão em verde (Harry Potter e o Enigma do Príncipe, 2009), em tons cinza e verdes (Crepúsculo, 2008) ou azuis (Nosso Lar, 2010). O trabalho realizado pelo fotógrafo Tony Shearn, em Máscara da Ilusão, não nega o caráter fantástico e nem se furta em preencher a tela com o máximo de cores que pode, desde que isso esteja em todos os quatro cantos do ecrã, dando ao espectador a impressão de estar mergulhado em um mar de sonhos. Particularmente, admiro mais o trabalho realizado por Christopher Doyle em 2046 e A Dama na Água; por Darius Khondji em Ladrão de Sonhos; e por Nicola Pecorini em O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, porque usam da fotografia quase fantástica em função de uma linha que demarca a realidade: entre saturações, aquarelamento e contrastes diversos de luz, há sempre um ponto de apoio no quadro, algo que parece demarcar uma linha divisória entre aquele mundo representado e aquele mundo que se quer representar (perceba que nesses casos, o uso da fotografia é acima de tudo intelectual, e não apenas funcionalmente estético, como em Máscara da Ilusão).

     Neil Gaiman, por sua vez, não consegue escrever uma história original, fator predominante para a queda de qualidade do filme. A despeito do relativo bom uso fotográfico e da estupenda direção de arte, o filme manca terrivelmente, porque o roteiro se prende a uma tendência quase lendária, e por isso mesmo, seguidor de uma cartilha típica dos contos dessa espécie, cheios de moral final e situações-chave muito parecidas. A mesma linha segue a música e o som direto, medianos em todo o tempo, e sem muitos rompantes dignos de louvor. A direção de McKean consegue trazer o mínimo do elenco, e mais uma vez, as máscaras usadas e todo o entorno artístico falam mais alto que a própria representação.


     Minha classificação de “filme bom”, com as três estrelas cotadas, pode parecer contraditória às minhas manifestações negativas durante o texto. Devo dizer, no entanto, que a película tem o seu mérito artístico, um fascinante visual e marcantes efeitos, ao lado de inspiradas sequências de fantasia. Mesmo que isso tenha gosto de pó e estesia em plena Era Digital, penso que continua a valer a pena passar um pouco mais de uma hora em busca de algo em um filme que se embebe em beleza visual externa, mas que por dentro, infelizmente, não tem nada – ou tudo aquilo que antes já se viu. Nesse caso, o “bom” é pela arte interna, pela junção dos fatores e valores plásticos arrebatadores. No que concerne ao produto final, temos diante dos olhos um filme vazio, no que concerne a sua composição, temos um desfile de beleza e imaginação: julgue o todo, quem quiser.


MÁSCARA DA ILUSÃO (Mirror Mask, UK, 2005).
Direção: Dave McKean.
Elenco: Jason Barry, Rob Brydon, Stephanie Leonidas, Gina McKee.

FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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