22 de set. de 2010

Aproximação



por Luciano Portela



     Um filme, mesmo sem perceber, tem como finalidade 'mostrar' por meio de imagens, expressões, e ideias, uma busca de resultados. Sejam quais forem. As imagens põem à tona contradições que são como um fio condutor a possíveis reflexões em torno de uma sociedade ou mais ainda, em torno de questões específicas que nela se encontram.

     Daí poder-se-ia dizer a frase do historiador francês Marc Ferro, "partir da imagem, das imagens", pois somente elas podem trazer novas ideias dentro de um contexto social específico. Sendo assim, a relação entre câmera e História é intrínseca, deveras muito profunda, no entanto inseparável. Em contrapartida fazemos parte de um mundo espetacularizado em que naturalmente a imagem se encontra saturada, excessivamente manipulada, facilmente causando dificuldades de uma 'reflexão' mais aprofundada e principalmente crítica da sociedade. Poucos autores têm a capacidade de extrair algo de reflexivo dentro dessa situação. É o caso do cineasta Amos Gitai em seu filme Aproximação (Disengagement, 2007) lançado nas salas de cinema esse ano.



     Pouco se precisa dizer de um cineasta do calibre de Amos Gitai, principal questionador da sociedade israelense e em especial de suas complexidades, muito conhecido por filmes como O Dia do Perdão (2000) e Kedma (2002), colocando através da câmera momentos da vida israelense dados à sua complexidade no mundo contemporâneo, transitando da ficção a cenas que poder-se-ia dizer com profundo teor documental. Na melhor forma e no mesmo estilo do chamado cinema político (que tem o grego Costa-Gavras como o mais conhecido diretor do gênero), Aproximação tem um elenco de peso, vemos desfilar pela tela as atrizes Juliette Binoche e Jeanne Moreau, a cantora Barbara Hendricks e até o próprio Amos Gitai. Onde cada um representa uma nação (essa pluralidade também é enfatizada pela quantidade de línguas usadas no filme), uma questão política que, cedo ou tarde, será levada em choque diante de nós.

     O enredo a princípio é simples: um jovem guarda da polícia de Israel, Uli, irá para a França e encontrará sua irmã adotiva Ana (Juliette Binoche) para velar o corpo de seu pai. Um dos pedidos na herança é que Ana vá para Israel e leve a notícia para sua filha, que tem por direito ser a principal detentora de toda a herança do avô; a princípio, Ana se reluta a encontrar seu 'passado', mas sem ver outra opção, engaja-se nessa aventura trágica e pessoal.




     O momento político mostrado é o da retirada de israelenses à força pela polícia local das proximidades da faixa de Gaza. O que torna o filme mais impressionante são as cenas em que vemos o conflito Estado versus Religião muito presente. Mais ainda, a paranoia em relação ao 'outro' (palestinos), fazendo de Israel um constante Estado de Sítio - sentido por todos, sofrido por todos. Na cena inicial, onde as questões de identidade e nacionalidade são discutidas, vemos a audácia de Gitai colocando um Judeu e uma Palestina se beijando (jocosamente falam "não é nada simbólico"); formam um complemento chave para a "peregrinação", o encontro com o passado trágico que Ana faz, falas perante aos conflitos que ela presencia, o sofrimento de uma mulher que vê a desestruturação de seu próprio "ser". Também tem falas profundas, dentre elas a mais destacada e repetida, "Eu não falo Hebraico". Gitai põe em xeque a questão de uma nacionalidade não existente, e mais ainda a impassividade da Europa (Ana) frente aos conflitos políticos do país. Algo muito próximo de uma "discussão de surdos".     "Escrever a História com a câmera" foi o que Gitai disse uma vez. E é o que o mesmo o fez, com maestria.



APROXIMAÇÃO (Disengagement, Israel/França/Alemanha/Itália, 2007).
Direção: Amos Gitai.
Elenco principal: Juliette Binoche, Liron Levo, Jeanne Moreau, Barbara Hendricks, Dana Ivgy, Hiam Abbass, Tomer Russo, Israel Katorza, Yussuf Abu-Warda, Uri Klauzner, Amos Gitai.



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