14 de jan. de 2011

Don't Drink the Water



por Luiz Santiago


          Em Novembro de 1966, estreava no Teatro Morosco, em Manhattan, a peça Don't Drink the Water, de um conhecido e aclamado comediante stand up chamado Woody Allen. O sucesso da peça, que ficou quase dois anos em cartaz, chamou a atenção dos produtores de Hollywood, que compraram os diretos para uma futura adaptação cinematográfica. O filme saiu em 1969, dirigido por Howard Morris, e com Jackie Gleason e Estelle Parsons no elenco. Apensar de ter coescrito o roteiro, Woody Allen reviu o filme décadas depois e não gostou nada da adaptação, fator que lhe impulsionou para filmar a sua versão da peça, onde tivesse pleno domínio sobre todos os setores do filme. Em Outubro de 1994, o diretor estreou o longa Tiros na Broadway; e dois meses depois, seria exibido na TV a sua inédita adaptação de Don't Drink the Water, telefilme que adaptou de sua peça, dirigiu e atuou.

          A história se passa nos anos 1960, em algum lugar atrás da “cortina de ferro”, no auge da Guerra Fria. O Embaixador Magee precisa ir à Washington, e depois de muito relutar, resolve deixar seu filho, um incompetente jovem diplomata, como representante da Embaixada dos Estados Unidos. Depois de alguns dias de normalidade, o casal Hollander e sua filha entram correndo na Embaixada, fugindo do Exército comunista. Consta que Walter Hollander foi tirar uma fotografia do pôr-do-sol em um local considerado estratégico pelo Exército, e a família acabou sendo confundida com um grupo de espiões. O filme é a hilariante estadia do casal na Embaixada.


          Um mini documentário com imagens reais de ventos ocorridos na Guerra Fria abre o filme. Em Quem não sabe cometer delitos? eu já havia chamado a atenção para essa recorrência e manipulação do documentário na filmografia de Woody Allen, e aqui, esse gênero é a porta de entrada para os insanos acontecimentos. Mais uma vez, o diretor usa de fatos reais para criar o seu mundo de impossíveis.

         O diretor consegue adequar-se muito bem às necessidades de uma obra para a televisão, e isso percebemos através do equilíbrio entre situações dramaticamente fracas e momentos de forte conteúdo cômico ou suspense. Vale dizer que esse é um dos filmes mais engraçados de Woody Allen, e tanto sua atuação quanto a de Julie Kavner, além de serem impressionantes, seguram a veia do humor de ponta a ponta no filme. Como é comum em uma adaptação teatral para a TV, a maior parte das locações são em internas, algo que poderia limitar a história, mas isso não acontece. Ao lado do diretor de fotografia Carlo Di Palma (colaborador de Woody Allen desde Hannah e suas irmãs e até Desconstruindo Harry, totalizando onze anos de parceria e doze filmes), Allen explora a profundidade de campo, recria as utilidades para cada cômodo e andar da Embaixada, e consegue dinamizar ao máximo a forma interna e externa do filme através de uma edição ágil (pela 18ª vez a cargo de Susan E. Morse) e de uma câmera sempre em movimento. As constantes mudanças de ângulo, plano, e a câmera na mão, deixam o espectador constantemente atento, nunca permitindo que o filme caia no desinteresse.

          Em Bananas, Woody Allen já havia abordado a questão do comunismo como premissa central, e em Don't Drink the Water ele adota a postura de crítica à visão estadunidense sobre Marx e o socialismo. Não só pelo discurso do narrador – já que o filme é um misto de documentário e ficção, com uma narrativa dentro da outra – mas pelas próprias situações do enredo, vemos a ligação da política com a comédia ácida típica de alguns de seus filmes:


A visão do Sr. Kilroy de Karl Marx é direta e simples, e reflete na do Sr. John Wayne:

_ O único bom comunista é o comunista morto. Eles são como índios.


          As personagens de Don't Drink the Water já trazem motivos para rir (um padre mágico, um chef especialista em pratos exóticos como geleia de pé de bezerro), e todo o elenco está afiadíssimo, não havendo interpretações ruins ou medianas. Woody Allen trabalha a carga de paranoia política da Guerra Fria e consegue encená-la muitíssimo bem no campo diplomático, temperando a comédia que cerca esse tema com as relações de uma hilária família e a incerteza do amor. As sequências finais, com os diferentes planos de fuga, e o desfecho, com Woody Allen e Julie Kavner vestindo burca e fingindo ser esposas de um Emir, é uma das muitas cenas inesquecíveis da filmografia deste novaiorquino genial. Don't Drink the Water é uma explosão de inteligência, domínio de locação cinematográfica, enredo, e atuações. E só é um telefilme.


* Esse texto faz parte do especial Diretor do Mês – Janeiro/2011: Woody Allen


DON'T DRINK THE WATER (EUA, 1994).
Direção: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Julie Kavner, Michael J. Fox, Mayim Bialik, Ed Herlihy, Josef Sommer, Robert Stanton, Edward Herrmann, Dom De Luise.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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