por Luiz Santiago
O documentário Dzi Croquettes (2010), de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, tem causado furor na crítica nacional. A história da formação, trajetória e fim do revolucionário grupo carioca que alcançou fama internacional, sendo aplaudido na Europa, visto e elogiado por Omar Sharif, Jeanne Moreau, Catherine Deneuve, Josephine Baker, e tendo Liza Minnelli como “madrinha”, é contada com competência rara em uma estreia atrás das câmeras.
Brasil, 1972: quatro anos após o decreto do AI-5, presidência do General Médici, o país inserido nos Anos de Chumbo, o DOI-Codi ampliando suas operações de tortura por todo o país e o “milagre econômico” posto como justificativa das atrocidades cometidas pelo governo; eis o cenário em que nasceu o Dzi Croquettes. Ao invés de partirem para a luta armada, seus treze componentes optam por mudar, subverter e criticar a realidade através da arte, e o fazem da maneira mais espalhafatosa possível, buscando especialmente no carnaval a sua identidade. Os treze homens que compunham o Dzi Croquettes, vestiam-se, atuavam, falavam e dançavam como mulher, de cara, um tabu quebrado e novos horizontes abertos, de frente para as perguntas dos que os viam, estupefatos: são homens? São mulheres? São gays? O que são esses rapazes? Ao que eles respondiam no próprio espetáculo: “Nem homem, nem mulher: gente”.
Os Dzi Croquettes encabeçaram a primeira grande ruptura ideológica no Brasil da ditadura militar através da arte. A composição dos números do grupo perpassam as linguagens do teatro, do cabaré, dos shows da Broadway, do improviso cênico, da mímica, da dança. Os temas abordados seguiam a linha do deboche das situações do cotidiano, das frases e situações de duplo sentido, e principalmente da crítica e desconstrução das instituições estabelecidas como importantes para a saúde da nação sob ditadura: família, igreja e Estado. O próprio grupo era considerado uma família, e os nomes de palco de suas personagens demonstram isso: o pai, a mãe, as tias, as filhas, as sobrinhas, a empregada. A família brasileira encontrava-se pela primeira vez com a contracultura.
O documentário de Issa e Alvarez segue a linha do “filme de bastidores”, mas trazendo à memória a trajetória do grupo e não o seu processo interno de produção. Em alguns momentos, vemos filmes amadores feitos no camarim dos artistas ou no quarto de hotel onde se hospedaram na França, o que dá esse ar “uterino” que o documentário carrega, e assume, quando diversas vezes, a câmera em plongée ou em contra-campo revela a existência da equipe técnica.

A revolução cultural empreendida pelos Dzi Croquettes não se limitou apenas ao teatro, aos palcos. Em diversos depoimentos, vemos a força ideológica que impulsionaram, sendo um dos grupos pioneiros na exposição do mundo gay, com suas gírias, maquiagem pesada, figurinos exuberantes e muito coloridos, irreverência, e, no caso dos Dzi Croquettes, uma imensa cultura. No grupo havia artesãos, artistas plásticos, fotógrafos, cantores, bailarinos, coreógrafos, diretores de arte, e com o entrosamento no passar dos anos, essas qualidades foram socializadas entre eles. Outro elemento que não se deve passar batido é que a maioria do grupo era poliglota, principalmente em inglês e francês, com um sotaque que faz rir só de ouvir.
Dzi Croquettes é um documentário ágil, pouco convencional, deve-se dizer, mas que muito impressiona pelo que apresenta e como apresenta, e merecedor de todos muitos prêmios que vem acumulando. Com depoimentos de Ney Matogrosso, Liza Minnelli, Ron Lewis, Gilberto Gil, Marília Pêra, Norma Bengell, Miguel Falabella, Nelson Motta, José Possi Neto, Betty Faria, Miéle, Pedro Cardoso, Aderbal Freire Filho, Jorge Fernando, César Camargo Mariano, Cláudia Raia, e de antigos representantes do grupo, o documentário mostra a magnitude da arte que produziram os Dzi Croquettes, um exemplo maravilhoso de como é possível revolucionar e influenciar o mundo, sem armas nas mãos.
DZI CROQUETTES (Brasil, 2010).
Direção: Tatiana Issa e Raphael Alvarez.