17 de dez. de 2011

O Signo do Leão / Le Signe du Lion (1959)


por Luiz Santiago


          O primeiro longa-metragem de Eric Rohmer, apesar das falhas de um inexperiente na direção de longas, é uma película interessante, e certamente um dos notáveis marcos da Nouvelle Vague. Dentro da filmografia do diretor, O Signo do Leão é quase um elefante branco, porque traz técnicas muito diferentes daquelas que ele firmaria como suas nos anos seguintes. Raramente se vê uma mudança tão grande em assinaturas autorais como a que Rohmer empreendeu dessa estreia para os outros longas. Em seu melhor filme seguinte, A Colecionadora (1967), temos uma realidade formal completamente diferente.

          A tragicomédia do filme baseia-se na superstição da personagem principal, Pierre, um músico leonino e preguiçoso, que da noite para o dia se vê rico, herdeiro de uma fortuna deixada por uma tia. O impasse e a tragédia vem quando Pierre descobre que sua tia o deserdara, deixando toda a fortuna para outro membro da família. Aos poucos, o músico se vê em uma situação financeira deplorável: é despejado dos hotéis, passa a dormir e perambular pelas ruas e procurar desesperadamente por comida. De músico bon vivant a mendigo, Pierre vaga errante por Paris, cidade que a fotografia de Nicolas Hayer torna divina. As locações escolhidas por Rohmer não mostram o glamour dos cafés e da burguesia ou as salas claras e limpas dos museus. A Paris de O Signo do Leão é a Paris periférica, humilde, pobre, é a Paris dos bares noturnos, do contrabando, dos esfomeados e artistas de rua.

          A música de Louis Saguer marca o filme com muito vigor. A primeira parte é tímida no contexto musical, exceto pela sequência onde uma estranha personagem, interpretada por Jean Luc-Godard, manipula um disco na vitrola. Nessa parte, predomina o diálogo verborrágico, as situações cáusticas, a ironia e o cinismo. O estranhamento rohmeriano acontece na segunda parte da obra, quando a palavra se torna escassa e o silêncio (pasme!) acompanha a vagabundagem e o sofrimento de Pierre. Nesses momentos, um violino melancólico parece chorar pela situação. A imagem aliada ao som é de uma força tal, que o filme não peca em nada no tratamento da pobreza - como Os Incompreendidos, de Truffaut,  também não pecaria em trabalhar. Os erros concentram-se principalmente na citação da astrologia como motivo dramático, e do modelo formal meio tacanho: juntos, eles travam uma parte do filme.

          Eric Rohmer mistura elementos cinematográficos com realismo social, e o resultado é um filme maravilhoso sobre a pobreza, a riqueza e a sorte. O final é relativamente medíocre, mas essa característica não anula a beleza e a força do filme. Um ar jovem e inovador é claramente perceptível em O Signo do Leão, e sabemos estar diante de uma obra que marca uma nova fase do cinema. Poucos erros e muitos acertos marcam a estreia de Rohmer em longas metragens. Da possibilidade da sorte para o resultado da ação humana, temos um drama levemente cômico sobre a miséria e a preguiça, sobre uma classe social e um acontecimento banal que muda por completo uma vida, agrupado em blocos de dias, como uma crônica jornalística com um verniz quase documental. Embora esse seja um filme atípico na filmografia do mestre francês, o caráter do minimalismo cotidiano, dos pequenos objetos e da vida transformada por quase nada já se faz presente. Exatamente como na vida real.


O SIGNO DO LEÃO (Le Signe du Lion, França, 1959).
Direção: Eric Rohmer
Roteiro: Eric Rohmer e Paul Gégauff
Elenco: Jess Hahn, Michèle Girardon, Van Doude, Paul Bisciglia, Gilbert Edard, Christian Alers, Paul Crauchet, Jill Olivier, Sophie Perrault, Stéphane Audran, Jean Le Poulan.
Duração: 1h43min.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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