19 de dez. de 2011

Irmão / Brat 1 e 2 (1997 / 2000)



por Marcio Sallem

          O cineasta russo Aleksei Balabanov, irritado com o estereotipo russo no cinema de Hollywood, espólios da guerra fria na indústria cinematográfica, escreveu e dirigiu a cultuada duologia Brat. Trata-se de um trabalho rústico, esteticamente deselegante e mal-acabado, mas que funciona, sobretudo, como o sufocado grito russo em busca da perdida força, dignidade e honra características daquele povo. É a destruição da carcaça vil, orgulhosamente estampada na pele de antagonistas dos thrillers de ação que querem conquistar ou destruir o mundo; em outras palavras, é o repúdio de Balabanov, o que não deixa de provocar uma curiosa guerra fria nas telas do cinema.

          Questionado por uma jornalista em Nova York, na segunda parte da duologia, se eles seriam gângsteres, o protagonista Danila Bagrov responde de pronto,“Não, somos russos”. Esta frase de efeito traduz precisamente o realismo alcançado por Balabanov na abordagem da criminalidade da União Soviética após a queda do regime comunista, a Perestroika e Glasnot. Elaborando uma ficção para o restante do mundo de introdução no eixo socioeconômico global, internamente, os habitantes de grandes cidades, como Moscou e São Petersburgo, permaneciam subjugados a um regime opressor cuja mão pesada não mais era visível, mas consequência e resquício histórico daquele povo. Nesse sentido, ciente da irresponsabilidade de Danila, recém egresso do exército, sua mãe o manda encontrar-se com seu bem sucedido irmão Viktor (Viktor Sukhorukov), sem desconfiar que este é um assassino profissional. Por sua vez, esse momento encerra a engraçadinha e irônica rima na abertura da continuação, após a mãe ver Danila em um programa de entrevistas na televisão.

          Panfletário, embora carregue o falso romantismo e charme das narrativas de gângsteres, o tom manifesto de Balabanov repousa no trunfo da atuação carismática de Sergei Bodrov e em menor escala, especialmente na continuação, no despretensioso humor de Viktor Sukhorukov. Na pele de Sergei, Danila é um garotão bobo e ingênuo, cujo treinamento no exército lhe rendeu importantes habilidades na elaboração de armas, destreza, sangue-frio e um código de conduta bastante rígido que vem a definir-lhe completamente: acentuadamente nacionalista – veremos mais adiante – e misericordioso, ele não hesita em poupar a vida de alguns que julga conveniente, como um pai para prevenir que a sua família fique órfã ou um importante personagem que o trai. Diferentemente dele, Viktor reconhece-se como alguém à altura de Al Capone, e a felicidade do sujeito ao entrar no ônibus turístico de “Os Intocáveis” é imensurável. Aliás, muita das qualidades do roteiro de Balabanov é não se levar a sério, transformando-se o perigoso Viktor em um divertido e perigoso bufão.



          O que afasta, ou ao menos diminui, as acusações de xenofobia costumeiramente atribuídas a Brat. A visão preponderantemente nacionalista eivada de um salutar exagero não admite comparações com o regime nazista alemão, e embora Danila afirme “não gostar de judeus, mas de alemães sim”, a contextualização dessa afirmação não permite que acusemos o roteiro de anti-semitismo. Da mesma maneira, as manifestações aparentemente xenófobas contra passageiros chechenos que não desejam apresentar os bilhetes do ônibus, a crítica a romenos, búlgaros, judeus e negros, e a apresentação fascista de Viktor absorvem a comicidade necessária para serem indolores, apesar da provocação de Balabanov.

          Provocação, aliás, que atinge certeiro o coração capitalista americano. Enxergando os habitantes daquele país como sujeitos alienados e hipócritas –evidente na alegação de que não se pode consumir bebidas alcoólicas em público, contanto que estejam escondidas em sacos de papel –, é impressionante a facilidade com que Danila cumpre seus objetivos em Brat 2, atendendo o pedido do falecido amigo Kotya para cuidar dos interesses do irmão, um jogador de hóquei da NHL. A invasão de uma danceteria e do escritório de um grande mafioso confere uma face medíocre e apática àquele povo (com algumas exceções, como um gentil caminhoneiro). Dessa forma, em Brat, turistas norte-americanos despreocupados não conseguem orientar-se adequadamente em São Petersburgo, ao passo que em Chicago e Nova York, Danila e Viktor conseguem não apenas ambientar-se apropriadamente, bem como se destacam naquela população. Finalmente, a vilanização dos norte-americanos é completa com a nefasta comercialização dos snuff filmes de estupro, produções reais que satisfazem desejos sexuais doentios da pequena parcela da população que patrocina essas atrocidades.

          Balabanov investe no excessivo e cartunesco product placement para cutucar alguma das marcas mais importantes norte-americanas, como a Coca-Cola e a Sony. Esta fabricante do inseparável discman de Danila, tocando rocks de Nautilus e DDT, suas bandas favoritas. Generoso com os amigos e familiares, o que apenas contribui para a sua ingenuidade, Danila ultimamente afeiçoa-se por uma prostituta russa, Dasha, que vive nos Estados Unidos, a quem conquista com carisma e a estranha afirmação de que “russos não desertam a sua guerra”.

          Naquele momento, compartilhei a dúvida de Dasha e questionei, que guerra? Talvez aquela que Aleksey Balabanov travou nas entrelinhas contra a produção cinematográfica prejudicial à imagem russa. Talvez aquela vivida nas ruas e no cotidiano por cada habitante daquele povo, cuja vida parece um apanhado de situações, similar a montagem em fades dos exemplares da duologia. Talvez, enfim, uma briga interna para recuperar o autêntico espírito russo, perdido nos quadros sujos e mal-formatados da narrativa, ou debaixo de quilos de imposições diárias do capitalismo.



          Mesmo com suas falhas, a duologia Brat incita essas reflexões e, caso não o faça, é ao menos um bom exemplar do cinema de gângsteres, diverso dos refinados ocidentais habitualmente vistos. Danila classificaria como “algo russo”.



IRMÃO (Brat, Rússia, 1997).
Direção: Aleksei Balabanov
Roteiro: Aleksei Balabanov
Elenco: Sergei Bodrov Jr., Victor Sukhorukov, Svetlana Pismichenko, Maria Zhukova, Yuri Kuznetsov, Viacheslav Butusov, Irina Rakshina, Sergei Murzin, Anatoli Zhuravliov.
Duração: 1h36min.


IRMÃO 2 (Brat 2, Rússia, EUA, 2000).
Direção: Aleksei Balabanov
Roteiro: Aleksei Balabanov
Elenco: Sergei Bodrov Jr., Victor Sukhorukov, Sergei Makovetski, Irina Saltikova, Kirill Pirogov, Aleksandr Diachenko, Daria Lesnikova, Gary Houston, Ray Toler, Lisa Jeffrey.
Duração: 2h2min.

AVALIAÇÃO DO AUTOR PARA AMBOS OS FILMES:
FILME BOM RECOMENDAMOS ASSISTIR. 


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