25 de nov. de 2011

Inquietos / Restless (2011)



por Luiz Santiago


          A morte iminente de uma pessoa amada, vítima de uma doença terminal e incurável, já é algo batido nos romances cinematográficos sobre a vida e a morte, tendo em Love StoryUm Amor Pra Recordar e Doce Novembro, exemplos tão díspares em necessidade de existir e qualidade do produto. Todavia, o enredo dessas obras é praticamente o mesmo, e ele se repete em Inquietos, o novo filme de Gus van Sant, onde uma garota em estágio terminal de um tumor, conhece um garoto vítima de um acidente, que passou meses em coma, ficou obcecado pela morte e tem um fantasma camicaze como seu melhor amigo.

          A história de Enoch e Annabel é, em suma, a história de Landon e Jamie, de Jennifer e Oliver, de Nelson e Sara, todos eles, casais cinematográficos separados pela morte de um dos pares, e em cujo processo, algumas transformações morais e sentimentais acontecem, a fim de “fofuchizar” o desfecho trágico, onde, geralmente, as lágrimas emotivas chegam a nos fazer esquecer de julgar impessoalmente a obra. Eis aí um grande perigo: um filme é bom porque tocou a sensibilidade do espectador ou porque é, de fato, um produto cujos meios narrativos, técnicos e finais estão em perfeita harmonia? Ortega y Gasset já nos chamava a atenção para a desumanização da arte, tarefa difícil, mas necessária, para quem quer se livrar dos grilhões da emoção óptica travestida de crítica.

          A perspectiva da morte e a impossibilidade de impedir esse acontecimento mistura resignação e aceitação por parte do casal Enoch e Annabel. O garoto já passou pela morte dos pais, e ele mesmo diz já ter morrido por alguns segundos. Além disso, Hiroshi, o fantasma camicaze, é o contato direto do jovem com o além-vida, engrossado pela sua obsessão por funerais, em um dos quais conhece a doce Annabel. Ambos possuem uma relação de adoração à vida, uma forma de ocuparem o seu tempo em um carpe diem quase lúgubre, onde cada momento intenso, belo e carinhoso pode ser o último. Nesse ponto, o roteiro de Jason Lew consegue arrebatar-nos a atenção, uma vez que os últimos três meses de vida de uma bela jovem passa a se desenrolar na tela.


          Diferente de obras anteriores do diretor, onde a economia de palavras dava lugar a um charme visual inovador e um ritmo narrativo invejável, Inquietos é verborrágico e muitas vezes desnecessário e instável. Quanto ao ser desnecessário, cito as sequências de “tomada de consciência” do jovem Enoch. A óbvia morte de Annabel, mesmo que para ele fosse dolorida, não precisava ser explícita em palavras, e isso acontece em mais de uma cena. Quanto ao ser instável, falo da construção das personagens, posto que parecem apresentar algumas características apenas para justificar um dado momento do filme, como o look masculino de Annabel ao início, a forte amizade entre Enoch e Hiroshi e a relação familiar entre Annabel, sua mãe e sua irmã. Como se vê, Inquietos não é a estreia mais original e bem roteirizada do ano.

          Não é preciso conhecer toda a filmografia de Gus van Sant para sacar que ele tem uma predileção por dramas que envolvam jovens. Essa constante visita à juventude faz dele um cineasta de obras sensíveis e profundamente reflexivas, que via de regra, estão fora do grande circuito comercial, mesmo que grandes filmes seus, como Garotos de ProgramaParanoid Park e Elephant, tenham arrebatado espectadores (e merecidos prêmios) pelo mundo todo. No caso de Inquietos, me parece que o drama não é tão jovem assim. Não só pelo questionamento metafísico, filosófico e religioso em torno da vida após a morte e sua aceitação, mas porque, apesar de jovens fisicamente, Enoch e Annabel agem como adultos depressivos. Dito assim, parece que se trata de um filme intragável, mas não é.

          A mistura da cartilha indie e o tom vintage aplicado de forma geral ao filme, faz dele uma divertida e romântica história, que, a despeito de seus problemas narrativos, consegue se manter minimamente interessante. Na abertura, temos a belíssima canção Two of Us, dos Beatles, e durante a projeção, nos deparamos com canções francesas, Bach, e orquestrações de Danny Elfman. A beleza musical só não consegue superar a fotografia de Harris Savides, um ótimo realizador de ambientes dramáticos com suas cores pouco metálicas e contrastantes. Em uma das melhores sequências do filme, na noite de Halloween, temos praticamente toda uma série de tonalidades e exposições de luz, e em nenhuma delas temos monocromatismo, refração ou divergência dramática entre cor e enredo. É na mesma sequência que os figurinos, a edição e a maquiagem mostram-se divinamente criativos. No que concerne à direção de arte, destacamos a bela decoração dos interiores, especialmente a do quarto de Annabel.


          Henry Hooper (Enoch) e Mia Wasikowska (Annabel) formam um ótimo par cinematográfico. Ele é um bom ator, e interpreta com muita competência o seu papel, mas é Mia (que, aliás, faz jus ao nome, com um penteado igualzinho ao de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary) quem brilha enormemente, do início ao fim. Sua personagem é angelical, mas sem a impassível feição e atitudes “crepusculetes”, tão comuns às jovens atrizes de sua geração. A dupla consegue um excelente resultado. Já a direção de Gus van Sant prima por um modelo de cinema híbrido entre o cult autoral e o popular, conseguindo apenas uma parte de seu intento. O filme tropeça em sua proposta de plasmar a morte, mas o faz de uma maneira visualmente bela; não é nada original, mas administra bem os clichês românticos; propõe uma profunda discussão sobre o amor, a vida e a morte, mas não consegue deixar séria a proposta, legando ao filme o paraíso róseo das emoções pessoais dos espectadores. Inquietos não é, de fato, um bom filme, mas é um dos poucos que consegue trabalhar a morte sem exagero dramático. A memória de uma vida a dois é o que prevalece, e pela intensidade de tudo o que aconteceu, resta a saudade aos que ficam, e o lema desse casal que vive sob as leis da morte: “a vida é curta demais para ser desperdiçada”.


INQUIETOS (Restless, EUA, 2011)
Direção: Gus van Sant
Elenco: Henry Hopper, Mia Wasikowska, Ryo Kase, Schuyler Fisk, Lusia Strus, Jane Adams, Paul Parson, Thomas Lauderdale, Christopher D. Harder, Morgan Lee, Chin Han


FILME REGULAR. ASSISTA SE TIVER TEMPO.

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