por Luiz Santiago
Não me agrada o cinema fingido de sentimentos, o cinema (falso) moralista, o cinema que mesmo trazendo de outras fontes o seu enredo, subverte-o e dá-lhe um novo e errôneo rumo.
O cinema de fabricação agradável, limpo, sem crises ético-morais e auto-resolvido é um cinema falso consigo mesmo e com o público. Direito de Amar (2009), adaptação de uma dos melhores livros de Christopher Isherwood (A Single Man, de 1964), é um filme que vai no sentido oposto ao comportamento engessado dos romances homossexuais no cinema atual. O final “comum” a esse tipo de filme está lá, mas ele tem um motivo anterior, não é uma trágica história de cunho gratuitamente pessimista. O estilista Tom Ford estreia na direção com o pé direito, e embora sua primeira obra não seja perfeitamente executada, ela passa longe das pavorosas películas-homo-pipoca a que estamos acostumados.
A narrativa da história é bem incomum pelos espaços cênicos que ocupa: a maior parte dos acontecimentos não tem um motivo no presente fixo; acontece na mente do protagonista, o professor universitário George (Colin Firth), que vive uma imensa depressão desde a morte acidental do namorado Jim (Matthew Goode), alguns meses antes. O filme abarca o espaço de vinte e quatro horas na vida desse homem só, numa preparação sofridamente ritualística para o seu suicídio. George não consegue ver um futuro feliz longe da pessoa com quem viveu por 16 anos, e resolve dar um basta definitivo nesse sofrimento. O diretor vai espalhando pelo filme momentos que serão entendidos no todo da narrativa, e que sempre voltam, para dar uma sensação de ciclo (não necessariamente) vicioso da conquista, do apaixonar-se, do prazer e do amor. Além disso, somos convidados a partilhar com o protagonista um grande discussão sobre a felicidade, a futilidade do presente e os planos (talvez impossíveis) para o futuro.
Um dos primeiros tropeços de Tom Ford no filme são os ganchos visuais para dar corpo aos flashbacks, abundante recurso do filme. Os objetos cênicos e alguns sons tornam-se a porta de passagem para o tempo da felicidade de George, mas a integração desses elementos como ponte passado / presente é tão simplória, que ganha ar de mal gosto. A salvação desses metáforas visuais aparecem em três segmentos distintos: a fotografia, a edição e a música, embora algumas ressalvas possam ser feitas em relação a essa última categoria.
O jogo fotográfico entre o pálido presente de George e o mundo saturado de cor que é o seu passado ou os momentos em que se encanta com algo, trazem para o espectador o estado de espírito irregular do protagonista, e nos diz muito sobre o que lhe é importante ou não. Uma das sequências se destaca pelo diferencial fotográfico: a cena do diálogo na praia entre George e Jim, filmada em preto e branco. Por ser a única memória que ele tem vinda de uma imagem, toda a lembrança é como a representação dela, diferente das outras, muito iluminadas e coloridas, por serem memórias espontâneas, um exagero passional alimentado pela saudade daquele que partiu. O espanhol Eduard Grau soube adequar muito bem as nuances fotográficas a cada momento da obra, principalmente na difícil tarefa de dar a cada período do dia uma tonalidade similar ao estado de espírito da personagem principal. A iluminação das internas noturnas são as mais notáveis, com destaque para a sequência do jantar na casa de Charley e da sequência após o banho de mar.
Embora possa ser interpretada como virtuosismo desnecessário, a edição de Joan Sobel ajuda na criação dos sentimentos, e só precisaríamos citar as primeiras cenas do filme para exemplificar essa afirmação. O corte “a meio-caminho” do objeto, o uso do zoom como forma dramática e até moral, a câmera lenta, são recursos técnicos que trazem-nos os sentimentos daquele exato momento, por isso vejo-os como pertinentes ao filme e bem utilizados. A ressalva à bela música de Abel Korzeniowski não está nela como produto e sim na sua colocação fílmica, marcada pelo exagero. Bastavam a fotografia e a edição para nos lembrar constantemente que o protagonista atravessava conflitos internos de primeira ordem, mas o diretor acrescentou a música de maneira displicente até, em alguns momentos, esvaziando um pouco o seu valor sentimental.
Colin Firth e Julianne Moore são os divinos destaques do elenco. A dupla de atores vivem personagens complexas, culpadas e repletas de mágoas, dois amigos de longa data que sofrem com a solidão, e se amam. As alterações de humor e o belíssimo trabalho de gestos e expressões de Firth, sua entonação vocal, sua amplitude de movimentos, tudo é um deleite dramático, e o ator mereceu não só a indicação ao Oscar na categoria, como também deveria ter lavado o prêmio para casa. Julianne Moore é sempre uma surpresa agradável, sua leveza e naturalidade nos papeis que interpreta fazem-na, sem sombra de dúvida, uma das grandes atrizes estadunidenses em atividade.
Direito de Amar é um filme sobre o amor à vida, a consciência da morte e sua aceitação. Dos belíssimos figurinos ao desfecho de história, vemos um homem atravessar uma separação trágica e com a qual não consegue lidar. A familiaridade do drama aproxima o espectador do protagonista, e então o prazer cinematográfico é completo no desfecho, embora a felicidade e a vida façam-nos questionar, mais do que sorrir, após a última cena.
DIREITO DE AMAR (A Single Man, USA, 2009)
Direção: Tom Ford
Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena, Paulette Lamori, Ryan Simpkins, Ginnifer Goodwin, Teddy Sears, Paul Butler, Aaron Sanders.
FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.