8 de mai. de 2011

Geo-cine-grafando a globalização


por Luiz Santiago


     Encontro com Milton Santos... (2006) foi a sensação do Festival de Brasília quando exibido, e arrebatou diversos prêmios em vários países. O diretor Silvio Tendler, famoso por ter assinado documentários críticos sobre a sociedade brasileira, leva adiante um projeto que tinha desde 1995, quando conheceu o geógrafo Milton Santos e cogitou filmá-lo. Apenas em 2001, e cinco meses antes da morte do pensador baiano, o diretor realizou com ele uma longa entrevista, e com base em suas ideias, realizou o filme em questão.

     Se foi aplaudido de pé nos Festivais, e obteve elogios de muitos pensadores, críticos e cinéfilos, o filme – como qualquer outro – gerou indignação de alguns, que o acusam de embelezar a miséria, vender opinião engessada e crítica terceiromundista viciada. Já compararam o Tendler de Encontro com Milton Santos... com Michael Moore, só que em sua versão Tupiniquim – e isso no pior sentido de sua conotação. Um outro grupo de espectadores tinha a esperança de que o filme teorizasse a respeito do mundo globalizado contemporâneo ou trouxesse questionamentos de dezenas de pensadores sobre os efeitos do consumo, a fome no mundo, os novos rumos da civilização.


     Não se pode deixar de assentir relutantemente para essas observações. De fato, o documentário é inerte em relação aos questionamentos incômodos e sem resposta. O filme se auto-explica, e para por aí. Mas é necessário colocar cada coisa em seu devido lugar e cobrar de um filme apenas aquilo que seu realizador prometeu, considerando aí as preferências e concepções cinematográficas de cada um, claro. A intenção Nesse filme não é de fato construir um pensamento lançado a debates, porque a proposta é trazer à tona as ideias do pensador entrevistado. Mesmo as participações realizadas durante o filme são materiais de arquivo, fotos, vídeos amadores, noticiários de TV e trechos de outros filmes que ajudam a explicar o pensamento sobre a sociedade atual que o geógrafo tanto se dispôs a entender e interpretar. Nesse sentido, o filme de Silvio Tendler não faz nada que não proponha, não falta e nem sobra: é uma obra na medida certa para o tipo de material que escolheu trabalhar.

     Partindo da atual importância da imagem para o homem do nosso século, o documentário segue uma linha cadencial entre documentos, entrevistas e exposição no estilo jornalístico com narração de alguns atores. De um alcance bem amplo por ser constituído comercialmente, o documentário toca em pontos delicados de nosso tempo usando de linguagem acessível, que embora dotada de erudição, não se furta em explicar conceitos mais essenciais para entender a sequência, como no caso da definição do que foi o Consenso de Washington, logo nos primeiros minutos do filme. Muita coisa, no entanto, fica nas mãos do espectador, para pesquisá-las posteriormente.


     Se Tendler “fala o que o povo quer ouvir”, ele o faz da melhor maneira possível. No entanto, duvido que essa estranha definição seja legítima quando se trata de um filme que aborda manifestações populares na Bolívia e no Peru, crise econômica na Argentina, manifestações ambientalistas em Davos, busca por emprego no Brasil, e fatos incômodos do mundo em pleno “Globalitarismo”. É isso o que o povo quer ouvir? Mesmo para um público terceiromundista, o assunto do documentário é chato e vago de significado simplesmente por um motivo: o povo não quer ouvir isso! Logo, embora eu ainda veja um erro menor o fato de o diretor não ter deixado questões abertas para que haja em nós um maior exercício de pensamento, vejo que o rumo dado ao filme foi bem satisfatório e coerente com a proposta apresentada.

     Longe de sensacionalismos, manipulação leviana de opinião e perpetuações ideológicas, Silvio Tendler procura transmitir as ideias de Milton Santos o mais fielmente possível. A esperança entra como o elemento humanista e essencial do pensador e da nossa sociedade. As regressões de pesamento político ocorridas nas últimas décadas, o sucesso empreendedor da inerte geração yuppie e o triunfo da colonização econômico-comercial no mundo são expostos sobre uma visão crítica porém não niilista. Os não-cidadãos que formam a população brasileira são convidados a ver um mundo que a mídia não mostra. Do lado de cá, o mundo globalizado passa a ter as suas primeiras cores desbotadas. Uma semente de inquietação é plantada assim que o filme termina.


ENCONTRO COM MILTON SANTOS OU O MUNDO GLOBAL VISTO DO LADO DE CÁ (Brasil, 2006)
Direção: Silvio Tendler
Elenco: Milton Santos (entrevistado) e Beth Goulart, Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Osmar Prado, Matheus Nachtergaele (narradores).


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

Twitter Delicious Digg Stumbleupon Favorites More

 
Powered by Blogger