por Luiz Santiago
Velozes e Furiosos 5 – Missão Rio tem superado a arrecadação do então maior sucesso deste ano, a animação Rio, de Carlos Saldanha. Com a milionária cifra chega também as manifestações incompreensíveis de espectadores brasileiros autodenominados defensores da identidade nacional: “cidadãos de primeira linha”. As acusações feitas à película de Justin Lin se dão (dentre outros patamares que vamos expor mais adiante) na grande bizarrice da representação do Rio de Janeiro, e por tabela, do Brasil. Acusam-no de vender violência, favelas e tráfico, corrupção e estereótipos falsos ou impostos. Mostra-se a parcela ininteligível do nacionalismo brasileiro.
Impressiona-me ler críticas indignadas sobre “as mentiras cinematográficas” expostas nesse filme. Os braços abertos de Vin Diesel e a infame sentença “This is Brazil” por ele proferida parece ter acabado de obliterar a mente desses espectadores cheios de brasilidade moderninha. O que tais pessoas se esquecem é que o quinto filme da franquia dos Velozes não foge a nenhum item da cartilha que todos conhecemos muito bem, e menos ainda aos engessados e ridículos modelos de representação da cultura e cotidiano de um país – qualquer país.
Para começar, é muita estupidez cobrar verossimilhança de uma película que desde o seu primeiro filme apresenta um roteiro péssimo, cenas de ações que contrariam as leis da física e do bom senso e desfechos tão explicados que ferem a inteligência de bebês de um ano. Ora, se a cinessérie nasceu deformada, qual a novidade de em sua quinta parte apresentar um cofre de toneladas sendo arrastado por dois carros através de ruas do Rio de Janeiro? Se absolutamente todo filme é uma versão imperfeita e moldada a certos critérios de uma certa realidade, o que há de novo em vermos o Rio de Janeiro (mais uma vez) tratado como reduto de criminosos? Qual é o espanto? Convenhamos que essa visão não é privilégio de um “diretor colonialista” que veio aos trópicos mostrar apenas o que temos de ruim. Ou O bandido da Luz Vermelha, Pixote – A Lei do Mais Fraco, Cidade de Deus, Carandiru, Salve Geral, Última Parada 174, e o duo Tropa de Elite retratam o um Brasil bonito e perfeitinho? Ou seja, o “complexo de macaquismo” alcança em nossos dias a sua versão mais crônica: “eu posso falar mal de mim mesmo, o outro não”.
Dizem ainda que “filme americano só fala bem dos Estados Unidos”. A típica frase de espectador que assistiu a dois ou três filmes e se acha crítico de cinema é tão ridícula quanto eu ter que abordar isso de uma forma didática nesse texto tão ridículo quanto a própria polêmica que me impulsionou a escrevê-lo. Spike Lee e Michael Moore não economizam munição em arrebentar as instituições da Terra do Tio Sam. Preston e John Sturges, Robert Altman, Jim Jarmush, Martin Scorsese, Paul Thomas Anderson, Joel & Ethan Coen, dentre outros, também tiveram sua parcela de massacre aos Estados Unidos em alguns de seus filmes, e mais dezenas de ficções e documentários nada simpáticos aos States fizeram suas críticas, deformações e versões da história, do povo e do funcionamento dessa nação. Ou seja, não há nenhuma cidade ou país do mundo (nem em documentários) que sejam fielmente representadas em filmes. É claro que há obras, como esse Velozes 5, que exageram loucamente no que fazem, mas é preciso um pouco de inteligência do espectador para perceber que essa visão é uma questão arraigada à ideologia dos envolvidos no projeto e na própria série. Trata-se de uma ficção alienante que já devia ter acabado a pelo menos dois filmes atrás, e que já representou Tóquio tão pessimamente como fez com o Rio. Se alguém esperava algo diferente, sugiro que leia alguns livros de história e veja mais algumas dezenas de filmes.
Todavia, Velozes 5 vale a polêmica? Bem, está mais do que claro que esse tipo de filme é aquele para o qual não existe meio termo. Ou se gosta ou se odeia. É claro que pode haver intensidades diferentes em cada um desses patamares, mas jamais alguém que despreza de todo os produtos hollywoodianos de “qualidade pré-lobotômica” vai gostar de um filme como Velozes e Furiosos 5. Para espectadores menos exigentes, o filme vale o ingresso e a compra da briga. A constante tensão e o exagero nas sequências de ação são o próprio núcleo da proposta, e pode-se imaginar o todo a partir daí. Tudo é demasiado, explosivo, grandiosamente clichê, e muitíssimo explicadinho. Ou seja, é um filme de ação como qualquer outro, com a diferença de ter sido gravado no Brasil. Nada de novo, a não ser a emoção de ver tudo novamente vestido com outra roupa.
Vale-se dizer que a franquia adota a partir desse filme um enredo mais ligado ao suspense. Para quem esperava insanas corridas, como nos episódios anteriores, a decepção deve ter sido grande. Mas no quesito “ação impossível” o filme bate recorde.
Os setores técnicos de Velozes 5 são tão bons quanto os de um filme amador de baixo orçamento. Esperando “cegar” o espectador com tsunamis de explosões, fugas e perseguições, tudo o mais foi feito da maneira mais simples (e feia) possível. A edição mambembe é tão estranha que pode ser confundida com virtuosismo autoral, mas está longe disso, posto que é absurdamente ruim: não há cadência de ritmo, não há preocupação dramática (nem estética) com a sequência de disposição dos ângulos e planos; a fotografia parece ter sido feita por um robô ligado no automático; e apenas a trilha sonora (dado o cenário e as exigências do filme) consegue se salvar. No cômputo geral, o filme consegue estabelecer-se entre ruim e quase regular, mas em sua proposta de entretenimento por ele mesmo, o resultado é (como de hábito) muito bom. A discrepante soma das partes gera um produto que não exige nada do espectador senão pouco mais de duas horas livres e disposição para engolir as muitas coisas impossíveis que acontecem na história. Longe dos brasileirismos afetados e da critica cricri, defendo Velozes 5 apenas como diversão, aquela sessão de cinema que você não quer pensar, apenas ver. Isso o filme proporciona. E em doses cavalares.
VELOZES E FURIOSOS 5 – OPERAÇÃO RIO (Fast Five, EUA, 2011).
Direção: Justin Lin
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Ludacris, Matt Schulze, Sung Kang, Gal Gadot, Joaquim de Almeida, Don Omar, Dwayne Johnson.