23 de jun. de 2011

Atrozes e Mentirosos



por Luiz Santiago


     Velozes e Furiosos 5 – Missão Rio tem superado a arrecadação do então maior sucesso deste ano, a animação Rio, de Carlos Saldanha. Com a milionária cifra chega também as manifestações incompreensíveis de espectadores brasileiros autodenominados defensores da identidade nacional: “cidadãos de primeira linha”. As acusações feitas à película de Justin Lin se dão (dentre outros patamares que vamos expor mais adiante) na grande bizarrice da representação do Rio de Janeiro, e por tabela, do Brasil. Acusam-no de vender violência, favelas e tráfico, corrupção e estereótipos falsos ou impostos. Mostra-se a parcela ininteligível do nacionalismo brasileiro.

     Impressiona-me ler críticas indignadas sobre “as mentiras cinematográficas” expostas nesse filme. Os braços abertos de Vin Diesel e a infame sentença “This is Brazil” por ele proferida parece ter acabado de obliterar a mente desses espectadores cheios de brasilidade moderninha. O que tais pessoas se esquecem é que o quinto filme da franquia dos Velozes não foge a nenhum item da cartilha que todos conhecemos muito bem, e menos ainda aos engessados e ridículos modelos de representação da cultura e cotidiano de um país – qualquer país.

     Para começar, é muita estupidez cobrar verossimilhança de uma película que desde o seu primeiro filme apresenta um roteiro péssimo, cenas de ações que contrariam as leis da física e do bom senso e desfechos tão explicados que ferem a inteligência de bebês de um ano. Ora, se a cinessérie nasceu deformada, qual a novidade de em sua quinta parte apresentar um cofre de toneladas sendo arrastado por dois carros através de ruas do Rio de Janeiro? Se absolutamente todo filme é uma versão imperfeita e moldada a certos critérios de uma certa realidade, o que há de novo em vermos o Rio de Janeiro (mais uma vez) tratado como reduto de criminosos? Qual é o espanto? Convenhamos que essa visão não é privilégio de um “diretor colonialista” que veio aos trópicos mostrar apenas o que temos de ruim. Ou O bandido da Luz VermelhaPixote – A Lei do Mais FracoCidade de DeusCarandiruSalve GeralÚltima Parada 174, e o duo Tropa de Elite retratam o um Brasil bonito e perfeitinho? Ou seja, o “complexo de macaquismo” alcança em nossos dias a sua versão mais crônica: “eu posso falar mal de mim mesmo, o outro não”.

     Dizem ainda que “filme americano só fala bem dos Estados Unidos”. A típica frase de espectador que assistiu a dois ou três filmes e se acha crítico de cinema é tão ridícula quanto eu ter que abordar isso de uma forma didática nesse texto tão ridículo quanto a própria polêmica que me impulsionou a escrevê-lo. Spike Lee e Michael Moore não economizam munição em arrebentar as instituições da Terra do Tio Sam. Preston e John Sturges, Robert Altman, Jim Jarmush, Martin Scorsese, Paul Thomas Anderson, Joel & Ethan Coen, dentre outros, também tiveram sua parcela de massacre aos Estados Unidos em alguns de seus filmes, e mais dezenas de ficções e documentários nada simpáticos aos States fizeram suas críticas, deformações e versões da história, do povo e do funcionamento dessa nação. Ou seja, não há nenhuma cidade ou país do mundo (nem em documentários) que sejam fielmente representadas em filmes. É claro que há obras, como esse Velozes 5, que exageram loucamente no que fazem, mas é preciso um pouco de inteligência do espectador para perceber que essa visão é uma questão arraigada à ideologia dos envolvidos no projeto e na própria série. Trata-se de uma ficção alienante que já devia ter acabado a pelo menos dois filmes atrás, e que já representou Tóquio tão pessimamente como fez com o Rio. Se alguém esperava algo diferente, sugiro que leia alguns livros de história e veja mais algumas dezenas de filmes.


     Todavia, Velozes 5 vale a polêmica? Bem, está mais do que claro que esse tipo de filme é aquele para o qual não existe meio termo. Ou se gosta ou se odeia. É claro que pode haver intensidades diferentes em cada um desses patamares, mas jamais alguém que despreza de todo os produtos hollywoodianos de “qualidade pré-lobotômica” vai gostar de um filme como Velozes e Furiosos 5. Para espectadores menos exigentes, o filme vale o ingresso e a compra da briga. A constante tensão e o exagero nas sequências de ação são o próprio núcleo da proposta, e pode-se imaginar o todo a partir daí. Tudo é demasiado, explosivo, grandiosamente clichê, e muitíssimo explicadinho. Ou seja, é um filme de ação como qualquer outro, com a diferença de ter sido gravado no Brasil. Nada de novo, a não ser a emoção de ver tudo novamente vestido com outra roupa.

     Vale-se dizer que a franquia adota a partir desse filme um enredo mais ligado ao suspense. Para quem esperava insanas corridas, como nos episódios anteriores, a decepção deve ter sido grande. Mas no quesito “ação impossível” o filme bate recorde.


     Os setores técnicos de Velozes 5 são tão bons quanto os de um filme amador de baixo orçamento. Esperando “cegar” o espectador com tsunamis de explosões, fugas e perseguições, tudo o mais foi feito da maneira mais simples (e feia) possível. A edição mambembe é tão estranha que pode ser confundida com virtuosismo autoral, mas está longe disso, posto que é absurdamente ruim: não há cadência de ritmo, não há preocupação dramática (nem estética) com a sequência de disposição dos ângulos e planos; a fotografia parece ter sido feita por um robô ligado no automático; e apenas a trilha sonora (dado o cenário e as exigências do filme) consegue se salvar. No cômputo geral, o filme consegue estabelecer-se entre ruim e quase regular, mas em sua proposta de entretenimento por ele mesmo, o resultado é (como de hábito) muito bom. A discrepante soma das partes gera um produto que não exige nada do espectador senão pouco mais de duas horas livres e disposição para engolir as muitas coisas impossíveis que acontecem na história. Longe dos brasileirismos afetados e da critica cricri, defendo Velozes 5 apenas como diversão, aquela sessão de cinema que você não quer pensar, apenas ver. Isso o filme proporciona. E em doses cavalares.


VELOZES E FURIOSOS 5 – OPERAÇÃO RIO (Fast Five, EUA, 2011).
Direção: Justin Lin
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Ludacris, Matt Schulze, Sung Kang, Gal Gadot, Joaquim de Almeida, Don Omar, Dwayne Johnson.


FILME REGULAR. ASSISTA SE TIVER TEMPO.



Twitter Delicious Digg Stumbleupon Favorites More

 
Powered by Blogger