21 de abr. de 2011

Vozes Espirituais - Parte II



por Luiz Santiago


     Se na abertura de Vozes Espirituais Sokúrov empreendeu uma reflexão elegíaca sobre a existência do homem e a sua terra natal, na segunda parte do documentário a visão passa de reflexiva para contemplativa e a atenção do diretor volta-se especialmente para o espaço geográfico, o primeiro contato de um soldado com a região que lhe oferece constante perigo. O relevo da fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão é filmado de diversos ângulos planimétricos e altimétricos, partindo do micro espaço onde um soldado ou um grupo se encontra, até chegar aos planos gerais sobre o território em conflito.

     A mudança geográfica e a linha de abordagem nesse sentido já podem ser observadas nos primeiros minutos do filme, tanto no texto (que nesse episódio se parece mais com um Diário de Guerra do que no anterior) quanto na mudança fotográfica. Ao início do filme, estamos diante da mesma paisagem gélida do Episódio Um, mas a saturação da cor nos mostra que a atmosfera é outra. O sonho termina. Chegamos à realidade da guerra. A narração de Sokúrov não deixa dúvidas quanto à ideia central dessa segunda parte:


Na Rússia, a neve e o frio parecem não ter fim. Nem um ruído e nenhuma alma. Folheando meu jornal, eis com o que me deparo: “No início do mês de junho, tranquilo, mas igualmente triste, juntei rapidamente minhas coisas e deixei a Rússia”. Em junho, o Tadjiquistão está bem quente. Contra todas as probabilidades, cheguei aqui.



     A primeira aparição dos soldados é em um momento de descontração. Não há pompa militar nem apurado trabalho estético na imagem. A exposição da película a um tom ocre avermelhado transmite a sensação de alta temperatura no local. A câmera baixa registra um grupo de amigos conversando, esperando a hora de partir para as montanhas. Aos poucos, o território começa a ser detalhadamente esquadrinhado. Através de tomadas dentro do helicóptero e nos carros que levam o grupo ao acampamento, temos os primeiros sinais de uma terra abandonada e uma insinuação crítica: “por quê estamos fazendo isso?”. A música de Toru Takemitsu perde-se em meio ao ruído dos motores, as vozes dos soldados, e a narração do diretor. Um clima de abandono e absurdo da guerra se instaura. Sokúrov não entra nos quartos, não visita os galpões do acampamento militar. Seu interesse nesse episódio é apenas o exterior, a adaptação dos soldados a uma nova terra. Em dado momento, um primeiro plano em zoom no rosto de um jovem comandante parece querer encaixá-lo de alguma forma ao quase desértico cenário natural.

     O que me incomodou nessa segunda parte foram alguns “erros” da edição, que, para manter uma desnecessária aparência de documentário de bastidor, deixou que algumas indicações da equipe entrassem para o corte final do filme. Sokúrov nos pede para observar uma situação de adaptação humana e não há narrativa dramática, então, a pergunta: por quê deixar visível a manipulação da câmera, se um modo interativo de documentário é completamente dispensável nesse tipo de abordagem? O espectador compreende o que é para ser visto, mesmo sem explicações didáticas ou sugestões da presença de uma equipe de filmagem. Salvo o impasse, a segunda parte de Vozes Espirituais mantém o seu alto nível, e conta com a vantagem de mudar o foco de observação, sem se perder.


VOZES ESPIRITUAIS – 2ª Parte (Dukhovnye Golosa, Rússia, 1995).
Direção: Aleksandr Sokúrov
Câmera: Aleksandr Burov e Aleksei Fedorov
Som: Sergei Moshkov
Música: Toru Takemitsu
Elenco: Soldados russos, Aleksandr Sokúrov (narrador).


AVALIAÇÃO DESSA PARTE DO FILME: MUITO BOM.



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