4 de abr. de 2011

Obsessão (1943)


por Luiz Santiago


     Não é apenas pela ousadia que Obsessão, o primeiro filme de Luchino Visconti, se inscreve como uma das grandes obras do cinema italiano. Não é apenas por trazer às telas um sensualismo e indicações homoeróticas que essa película foi, e é até hoje, considerada polêmica. Penso que a questão real de Obsessão é a força e ao mesmo tempo a sutileza com a qual o estreante diretor trabalhou os seus temas.

     Não se trata, porém, de um filme impecável. No plano técnico, apesar da visível procura em deixar perfeita a composição dos planos, há uma série de inadequações, especialmente no que diz respeito aos primeiros e primeiríssimos planos. O início do filme sofre mais nesse sentido. Quando da apresentação dos amantes protagonistas, a tímida câmera parece se perder e não sabe em que ângulo captar as expressões da dupla. No desenvolvimento da obra, esses problemas diminuem, mas não desaparecem. No seu filme seguinte, A Terra Treme (1948), Visconti realizaria um produto tecnicamente mais maduro e já bem próximo daquela abordagem clássica de observação à distância que permearia toda a sua obra.


     A duração do filme não é um problema (embora tenha pouco mais de duas horas), mas se fosse um pouco mais curto, a trama seria construída com menos cenas desnecessárias, que abundam a partir do meio da projeção. Mesmo assim, o produto final alcança um nível raro em se tratando de estreias no cinema. O que mais impressiona é a própria construção da história e como ela conquista o espectador. No início, o roteiro parece ingênuo demais (como na maior parte dos filmes neorrealistas), mas em quinze minutos já é impossível tirar os olhos da tela uma vez que a intriga principal se constrói e uma série de outras pequenas histórias parecem querer ganhar fôlego. Pela curiosidade de uma linha narrativa fixa e pela indicação de outros mistérios, o filme transmite para o espectador a obsessão de saber o desfecho de “tudo aquilo”.

     Clara Calamai e Massimo Girotti imprimem ao filme a atmosfera necessária. Ela, com leves mudanças no tom da interpretação, dá todo o brilho preciso para o tipo de mulher carente e oprimida que encarna a sua personagem. Ele, com uma atenção muitíssimo particular da câmera de Visconti, aparece como um sedutor de corpo e alma. Sua personagem é a que mais sofre alterações no decorrer da obra. A postura libidinosa, nua e suada do início do filme faz um contraste abissal com a frágil vítima de sua própria trama, depois de assumir repentinamente o papel de bom moço e pai de família. Essa situação final dá ao filme um desfecho amargo e muito interessante, principalmente se nos lembrarmos que foi realizado ainda durante a Segunda Guerra Mundial, e ao invés de apresentar uma fuga para todo o caos em que a Itália vivia, reflete o pessimismo e desespero que lhe eram contemporâneos.


     Obsessão é um filme tocante. A exclusão do herói e o trabalho com personagens cuja moral e ética são tão maleáveis quanto seus próprios desejos tornam o filme inesquecível. A coragem do diretor em trabalhar umas série de temas tabus e plasmar um final completamente pessimista antevê a escola italiana que se desenvolveria com Roma, Cidade Aberta dali a dois anos. Obsessão não é só um prenúncio do neorrealismo, é também o primeiro suspiro de um dos grandes mestres do cinema. Apesar de não ser um filme livre de tropeços, o resultado final é definitivamente bom, e certamente obrigatório para todo cinéfilo.


OBSESSÃO (Ossessione, Itália, 1943).
Direção: Luchino Visconti
Elenco: Clara Calamai, Massimo Girotti, Dhia Cristiani, Elio Marcuzzo, Vittorio Duse, Michele Riccardini, Juan de Landa.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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