6 de abr. de 2011

Jogo de Poder


por Luiz Santiago


     Tudo agora é crítica. Conspiração. Grupinhos maléficos atrás das portas do poder tramando de forma macabra o destino da humanidade. A maior potência econômica do mundo já não é “tão maior” assim, e sua imagem borrada deixa vazar as rugas e negrumes que à base de ideologias invertidas e consumo pleno, logravam esconder. O cinema parece ter aberto os olhos para esse filão já a algum tempo, cerca de duas décadas atrás, mas só agora as produções cinematográficas que mostram uma versão do “lado podre do reino do Tio Sam” encontraram corpo, e se sustentam artística e teoricamente.

     É o caso de Jogo de Poder (2011), filme de Doug Liman, autor de A Identidade Bourne (2002), que volta ao tema da investigação menos paranoico e mais político. Seu novo filme conta a história da agente da CIA, Valerie Plame, que tem o seu nome divulgado pela imprensa após o marido publicar no The New York Times um polêmico artigo sobre a farsa da Guerra no Iraque (2003). Entre realidade e a ficção, o filme consegue dar conta do recado mas não sem rondar em torno da teoria da conspiração. Nem tudo é perfeito.

     A necessidade de fazer um filme sobre um acontecimento da era Bush parece ter-se tornado hobby para algumas vozes dos Estados Unidos. Documentários, comédias satíricas e dramas semidocumentais (como esse Jogo de Poder) pululam nas telas, e infelizmente, pouco se salva de tudo isso. No caso de Jogo de Poder, o entretenimento suplanta a voz política, dando maior atenção aos personagens de Sean Penn (em atuação comum mas mesmo assim, boa) e Naomi Watts (de quem não consigo gostar de jeito nenhum), deixando alguns questionamentos importantes de lado.


     Não sou ingênuo a ponto de crer que o cinema deva fazer arte puramente engajada, e que um filme histórico ou sobre um elemento da história deva ser realista, partidário e amplo. Nada disso. O cinema é uma arte, a priori, incompleta, no sentido de sua abordagem da realidade. Poucos são os cineastas e filmes que conseguem trazer um questionamento e tratá-lo a contento em sua vertente histórico-cultural, artística e como produto comercializável. Mais uma vez, a oportunidade de trazer uma reflexão profunda sobre temas paralelos à uma história política central é deixada de lado.

     O formato muito próximo do documentário não foi escolhido à toa. Doug Liman já nos mostrara em seu Bourne a importância que o documento tem para a sociedade contemporânea que ele retrata: tudo precisa de provas (e dizem que superamos o positivismo). Obedecendo a essa tendência, Jogo de Poder traz esses documentos sem o menor pudor de ser taxado como filme de preguiçoso, e isso só não acontece porque a suprema edição de Christopher Tellefsen (que assinou filmes como O Povo Contra Larry FlintA Vila e Capote) salva esse jogo de ficção X documentário de uma pasta imagética nula de significado. Não há incômodo pelo vasto uso das reportagens, ao contrário, elas enriquecem a trama, dão corpo às intrigas que se costuram ao enredo principal. O mesmo não acontece com a câmera ensandecida que percorre o cenário de ponta a ponta de uma maneira que não faz diferença nenhuma para o espectador nem para o filme. Se lembrarmos desse mesmo uso de câmera em Guerra ao Terror, chegaremos à conclusão de que existe um tipo que história que comporta tal câmera trêmula (embora eu tenha muitas dúvidas quanto ao seu efeito dramático), mas outras não. A fotografia, assinada pelo próprio Liman, é realmente bem pensada, plasma bem os ambientes e não os monocromatiza. A máfia de colarinho branco da Casa Branca aparece muito bem na tela.


     Desconectados do mundo, alienados e ignorantes da história recente dos Estados Unidos e Oriente Médio aproveitarão pouco do filme. Embora o resultado final seja claramente o de entreter, a película tem um roteiro que que se fecha para um grupo específico, e isso não é nada ruim. A história tem pontos de alta tensão, a criação de um bom suspense e até a ideia da família nuclear está posta: todas as regras da cartilha hollywoodiana foram seguidas, só que apareceram inscritas com um grafite mais forte e menos colorido. Jogo de Poder toca na superfície do problema e não o responde. Nem deveria. No entanto, apesar do ótimo final, problemas de outra ordem se estabelecem. Falhando em um campo, o filme ganha no outro. Não é diversão para as massas, mas pode se passar por uma. Não é um filme político mas pode se passar por um. Não é muita coisa que prega ser, assim como o mundo que “denuncia”, mas exatamente como esse, disfarça bem e acaba sendo alguma coisa. E a voz política que tentou clamar uma mácula Estatal enrouquece e fica completamente inaudível. No fim das contas, o “valeu a tentativa” acaba valendo quase nada.


JOGO DE PODER (Fair Game, EUA, 2011).
Direção: Doug Liman
Elenco: David Denman, Sam Shepard, Sean Penn, Naomi Watts, Satya Bhabha, Michael Kelly, Bruce McGill, Ty Burrell, Noah Emmerich, Brooke Smith.


FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

Twitter Delicious Digg Stumbleupon Favorites More

 
Powered by Blogger