18 de fev. de 2011

O Turista (2010)


O turista mais que acidental

por Adriano de Oliveira


     Da fineza de Paris à atmosfera romântica de Veneza, do figurino impecável ornamentando o rimbombante corpo de Angelina Jolie às tomadas panorâmicas que valorizam o cenário, da escolha dos protagonistas à trilha sonora, muito do que emana de "O Turista" ecoa num mantra: a busca por um charme que foi típico de produções hollywoodianas de cinco, seis décadas atrás. Ostentação atingida em vários campos, como se pode perceber pelo já dito, mas que lhe falta em outros tantos, no que veremos.

     O filme em questão é remake da obra francesa de 2005, "Anthony Zimmer - A Caçada", no Brasil lançado diretamente em DVD. No original, Sophie Marceau precisava de maquiagem mínima e roupas menos pimponas que as de Jolie para seduzir um turista interpretado por Yvan Attal e manipulá-lo, fazendo ele passar por seu marido (o tal papel-título) perseguido por mafiosos russos e pela polícia internacional. Para o mesmo, digamos, "objetivo", o personagem de Angelina veste roupas suntuosas (desenhadas pela figurinista Colleen Atwood - talvez a mais próxima possível de ser chamada de uma Edith Head contemporânea), abusa da cosmética e resulta aos olhos dos espectadores como uma inalcançável diva típica da era áurea de Hollywood - tal o seu enfoque pelas lentes do diretor, que faz dela uma figura vaporosa, celestial e justamente por isso artificial demais para o papel que desenvolve na trama. Já Johnny Depp, fazendo um papel mais "normal" para suas habituais escolhas, diverte, apoiado em seus trejeitos cômicos... e nada mais.


     Ainda de elenco: Timothy Dalton, que já foi James Bond nos anos 1980, aparece ironicamente como um burocrata da Inteligência Britânica; Paul Bettany atua por entretenimento, Raoul Bova faz uma ponta rapidíssima e Steven Berkoff, o inesquecível vilão soviético de "Rambo II", também aparece ali.


     A obsessão pelo requinte em "O Turista" acha voz na fotografia de John Seale e na trilha de James Newton Howard, que guarda às vezes um levíssimo toque herrmanniano. Aliás, falando em Bernard, cuja associação com Hitchcock é inevitável, vale lembrar que o diretor inglês deve ter influenciado decisivamente o realizador deste filme, tanto pelo binômioestilo+desenvolvimento vintage imprimido aqui ao gênero ("Intriga Internacional" "Os 39 Degraus", por exemplo) como pelo próprio esforço em atingir ao belo.


     Florian Henckel von Donnersmarck, de nome imponente (pelo menos aos não-germanófonos), venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro há uns anos atrás, com o excelente "A Vida dos Outros". Como outros realizadores internacionais agraciados com o prêmio, foi convidado para trabalhar em Hollywood, seguindo, por exemplo, o rumo de Gavin Hood (sul-africano que dirigiu o também vencedor "Tsotsi" e a seguir o filme solo do mutanteWolverine). Não há como negar que ele tenha se deslumbrado com o aparato técnico disponível e esquecido de detalhes importantes. A primeira meia hora do filme é promissora e envolvente, mas lá pela metade tudo cai no marasmo e na burocracia fílmica. As cenas de ação são extremamente econômicas em tiros, perseguições e sangue - algo em nome da polidez, decerto. Johnny Depp fugindo pelos telhados venezianos imita cena semelhante de seu Jack Sparrow em "Piratas do Caribe 2". O romance engatado entre os protagonistas tem pouca química. E o final do filme... ah, sim, ele parece elegante e guarda um lindo plano conclusivo, mas se apresenta insustentável frente a buracos da trama. A roupa do rei de Roma pode ser luxuosa, mas, roída pelo rato, deixa o soberano seminu.



Artigo originalmente publicado no Cine Revista.

O TURISTA (The Tourist, EUA/França, 2010).
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck.
Elenco: Angelina Jolie, Johnny Depp, Paul Bettany, Stephen Berkoff, Timothy Dalton, Rufus Sewell.

FILME REGULAR. ASSISTA SE TIVER TEMPO.

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