29 de jan. de 2011

Eu não Quero Voltar Sozinho



por Luiz santiago


     Eu não quero voltar sozinho (2010), é o mais novo curta-metragem de Daniel Ribeiro, diretor paulista que estreou no formato 35mm com o excelente Café com Leite (2007), causando furor no meio cinematográfico alternativo, além de arrebatar diversos prêmios, entre eles, o Urso de Cristal de Melhor Curta Metragem no 58º Festival de Berlim. Antes desse sucesso, Daniel Ribeiro cometeu A Mona do Lotação (2006), curta-metragem trash onde uma transsexual provoca uma orgia pansexual num ônibus. A homossexualidade é a linha central do cinema desse diretor, pelo menos até agora.

     Em seu novo filme, Daniel Ribeiro conta a história de um adolescente cego que tem sentimentos despertados pelo seu novo colega de classe, ao mesmo tempo que a relação com sua melhor amiga passa por momentos de tensão. Em 15 minutos, um tema delicado é observado por diversos ângulos dramáticos, e o filme termina com uma demonstração de afeto, compreensão, e felicidade. Se em Café com Leite, a separação e a relação de um casal com os problemas da vida foi o tema corrente, em Eu não quero voltar sozinho, o encontro e a descoberta são os novos tópicos. Mas o tratamento dado pelo diretor, que também assina o roteiro da obra, perpassa pelo ingênuo, pelo ideal, pelo leve humor e sutil sugestão do romance. Não temos definições na tela. Apenas sugestões, possibilidades de acontecimento. E observe que isso não tem nada a ver com a postura dos jovens frente à sexualidade, mas sim, da possibilidade ou não de um relacionamento acontecer. Independente disso, que não é o foco do curta-metragem, temos uma situação que nos faz repensar os atrativos da conquista e o surgimento do amor.


     Que elementos compõem o sentimento de atração por outra pessoa? Ora, sabemos que são fatores diversos, que vão do cheiro ao toque, mas se há algo que pelo menos a maioria das pessoas consideram importante nesse processo, é o olhar. Todavia, o protagonista do novo curta de Daniel Ribeiro não enxerga. E aqui nos deparamos com uma inteligente colocação do diretor para uma situação já trabalhada no cinema: o protagonista não é posto como vitimado pelo destino, desistindo dos seus sentimentos, ou qualquer outra coisa do tipo. De uma situação que poderia seguir pela trilha da praticidade, temos em mãos um impasse ético de implicações morais. Longe da teoria ou didatismo, o filme se sustenta com grande competência, dá o recado que promete e ainda consegue emocionar o espectador em tantos sentidos, que depois do fade out final, é quase impossível não querer ver o filme novamente, e mesmo da segunda vez, o encanto é tanto que não nos libertamos da força ali presente.

     Um dos fatores que mais chamam a atenção é a sutileza com a qual tudo se desenvolve. O medo e a insegurança, mesmo que muito comuns em filmes adolescentes, figuram aqui como ingrediente natural da vida, e não é explorado de forma gratuita com tendências a chocar o espectador, justificando uma verossimilhança que acaba sendo forçada e extremamente fake. O que temos no roteiro, além da encantadora personalidade do protagonista, é um incrível equilíbrio entre sentimento, realismo, e desejo. Fugindo das exposições libidinosas, nus frontais, tórridas cenas de sexo e longos e efusivos beijos, o filme se apresenta na linha do “como deve ser”, sem ser politicamente correto, sem trazer a amarga seiva do moralismo cristão e burguês. Não. Se não há sexo e efusivos beijos, não é por moralismo mas sim por adequação exata ao que a história pede. Nesse sentido, Eu não quero voltar sozinho é uma espécie de elefante branco na curta-cinematografia queer. Porque depois de assistir a centenas de produções do gênero, chego à conclusão de que roteiristas e diretores primam pelo físico e se esquecem de desenvolver a alma das personagens. Todo tipo de relação só deveria ganhar espaço nos filmes caso fosse dramaticamente necessária, e com essa afirmação não estou descobrindo a roda cinematográfica. É óbvio. É lei fundamental do cinema: só se reproduz na tela aquilo que seja essencial para a história. Pois bem, se o leitor for um bom cinéfilo, sabe que isso é raramente obedecido, especialmente nos queer movies.


     O trânsito do desejo na estrada da insegurança ganha nova figura. O novo curta-metragem de Daniel Ribeiro é tecnicamente simples, adequadamente elíptico, fotograficamente equilibrado (tons térreos, especialmente o marrom, se espalham em diversas nuances cromáticas), e muito emocionante. Ao descobrir a sexualidade, o jovem Léo está não só diante de uma dúvida, mas também da dificuldade de expressar e levar seus sentimentos avante. Mesmo que haja uma beleza tocante em todos os elementos trabalhados no curta, o diretor não planta a certeza e nem cria um novo conto de fadas. Da música tema ao modo como a obra é realizada, estamos diante de incertezas. Mas isso, longe de impingir uma atmosfera pessimista e opressiva, abre as portas do encontro consigo mesmo: a tríade principal se descobre, se entende, forma-se em gosto e caráter. O desejo é latente, mas não atropela nada. E talvez aí esteja o grande ganho. Porque é pelo desejo, que o homem vive. Pelo desejo de realizar planos, pelo desejo de ser, condição reflexiva e sustentadora da nossa existência. O que eu sou? Certamente não apenas hormônios, suores, saliva. Não chegando à conclusão definitiva sobre essa questão, resta apenas viver para ver, não importa o quê. Como nos dois versos que finalizam as duas diferentes estrofes da música principal do filme: Eu ando em frente por sentir vontade […] Caminho em frente pra sentir saudade.

     Eu não quero voltar sozinho é uma emotiva reflexão sobre as relações humanas acrescidas de possibilidades. E seu significado vai muito além da deficiência visual, do homossexualismo, do ciúme entre amigos. Trata-se de uma manifestação há muito esquecida, de um sentimento que pode ter vários níveis, mas que é inominável, até que se sinta. Trata-se de um filme sobre seres humanos. E sobre o amor.


EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO (Brasil, 2010).
Direção: Daniel Ribeiro
Elenco: Guilherme Lobo, Tess Amorim, Fabio Audi.


FILME ÓTIMO. É IMPERDÍVEL ASSISTI-LO!



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