10 de nov. de 2010

O Jardineiro Fiel


Muito além do jardim


por Adriano de Oliveira


     "Cidade de Deus", marco na história do cinema brasileiro, deu enorme visibilidade a seu diretor Fernando Meirelles e abriu os olhos da indústria internacional, não somente para um reconhecimento ainda maior de nossa produção, mas também para a cooptação de nossos talentos artístico-técnicos em realizações americanas e européias.

     Depois do début de Walter Salles no cinemão made in USA, chega a vez de Meirelles capitanear um filme estrangeiro. E, como reza o adágio popular "quem planta, colhe", ele começa a aproveitar os louros de seu aclamado trabalho supra-citado ao lhe ser confiada a tarefa de dirigir "O Jardineiro Fiel", grande produção anglo-alemã, que, pelas qualidades apresentadas, já é forte candidata à diversas indicações nos próximos prêmios BAFTA, Globo de Ouro e Oscar.


     Baseado no romance homônimo de John Le Carré, um especialista em livros de espionagem, este filme pode ser classificado como um suspense, a um primeiro olhar. Porém, se revela mais do que isso, para muito além do jardim: é um drama intimista e angustiado, uma jornada de descoberta para um homem atormentado pela perda da esposa, e uma feroz crítica nos campos social, ético e político. No enredo, o diplomata Justin Quayle (Ralph Fiennes, numa esplêndida representação, ao mesmo tempo profundamente emocional e contida) sofre um amargo revés em sua vida quando sua esposa Tessa (Rachel Weisz, competente como de hábito) é encontrada brutalmente assassinada em um local próximo a um lago no Quênia. O que, no princípio, parece indicar para um crime passional, pode estar vinculado à atuação de Tessa como ativista e às suas suspeitas pessoais sobre possíveis ações escusas de uma indústria farmacêutica no continente africano.

     É preciso destacar o bom trabalho de direção de Meirelles, que coordena as boas representações do elenco (ele faz até do costumeiramente engraçado Bill Nighy, no papel de Sir Pellegrin, um sujeito soturno e dotado de uma vilania crível, apenas comparável à de alguns personagens interpretados por Michael Gambon em filmes como "Pacto de Justiça" e o recente "Nada É o Que Parece") e realiza excelentes tomadas. De "Cidade de Deus", o diretor trouxe para trabalhar consigo novamente o admirável César Charlone, responsável por uma fotografia de qualidade, capaz de alternar ao longo da projeção, com rara sensibilidade, cenas de uma fria atmosfera dominada pelo cinza e pela descolorização quase completa com outras cromaticamente vivazes que remetem aos matizes metálicos das antigas versões do sistema de cor Technicolor.


     Se, como thriller"O Jardineiro Fiel" não funciona plenamente por seu ritmo e pelo enfoque, como drama ele se redime: a viagem de Quayle em busca da verdade por trás do assassinato de sua mulher é a metáfora de uma grande jornada pela compreensão do que realmente constituía a alma daquela a quem ele amou. Nesse ponto, os flashbacks utilizados são um bom recurso narrativo para a platéia entender melhor a angústia e a aflição que acometem o protagonista. É um filme investigativo onde a emoção supera a tensão, numa surpreendente e bem-vinda ruptura com o convencional.



Artigo originalmente publicado no Cine Revista.


O JARDINEIRO FIEL (The Constant Gardener, 2005).
Direção: Fernando Meirelles.
Elenco: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Danny Huston, Bill Nighy, Gerard McSorley.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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