3 de nov. de 2010

Caché



Medo, mentiras e videotape

por Adriano de Oliveira


     O cineasta Michael Haneke, nascido na Alemanha em meio à II Guerra Mundial e criado na Áustria, é uma espécie de "Hitchcock sociológico". Em seus filmes, há tensão, drama e suspense caminhando lado a lado com uma forte crítica social, esta assessorada de uma visão perspicaz do depauperamento das relações humanas.

     Em obras anteriores - como os elevados "Funny Games - Violência Gratuita""Código Desconhecido" e "A Professora de Piano", - Haneke prioriza o relato de uma sociedade que prima pela falta de diálogo, pela má convivência de seus membros, pela discriminação, pelos desvios de conduta. Fatores que podem ser verificados em qualquer nicho social, mas que afetam essencialmente a burguesia em todo seu estrato interno, segundo teorema que propõe o diretor.


     "Caché" não foge a esse tipo de abordagem, mesclada a um estilo fílmico marcado por planos longos, câmera fixa, cortes parcimoniosos, closes eloqüentes, finais abertos. Algo que, como se pode supor, deverá não agradar a todos os públicos. Apreciar Haneke envolve ter paciência e saber que ele dispõe os problemas, mas não as soluções. Quem quiser entretenimento fácil e finais herméticos, redondinhos, fechados, deve passar longe de obras como esta, que fazem o espectador pensar para muito depois do acender das luzes do cinema.

     No filme, Georges Laurent (Daniel Auteuil, arrasador em cena) é um apresentador de um talk show cultural numa emissora francesa de TV. Casado com Anne (Juliette Binoche, para quem o tempo evidentemente passou e deixou marcas) e pai de um filho, Pierrot (Lester Makendonsky), vive com eles um lar aparentemente feliz, uma família supostamente pacata. Mas esse panorama de tranqüilidade começa a mudar quando a casa dos Laurent passa a receber uma série de fitas de vídeo, as quais mostram que eles estão sendo filmados e que o autor das gravações sabe muito mais do que se pensa sobre o patriarca da família. A partir de então, um redemoinho de medo, desconfiança, mentiras e mistério toma conta do outrora lar, doce lar.


     Essa esfera de suspense é utilizada para abrigar um estudo amplo. Este vai dos atos do passado escondidos nos porões da consciência humana e as conseqüências do egoísmo e da vaidade, até a falta de comunicação e de entendimento entre os indivíduos. Aborda igualmente as questões da perda de privacidade e da inocência perdida. Passa também por uma metáfora das relações Primeiro Mundo-Terceiro Mundo e faz a interessantíssima inserção da imagem ela-mesma como um personagem da história e não apenas como um suporte da narrativa. Haneke é dono de um manancial de boas idéias e as faz fluir, muitas vezes de maneira complexa, nos convidando à reflexão.


Artigo originalmente publicado no Cine Revista.


CACHÉ (idem, França/Áustria/Alemanha/Itália, 2005).
Direção: Michael Haneke.
Elenco: Daniel Auteuil, Juliette Binoche, Maurice Bénichou, Lester Makendonsky, Walid Afkir.



FILME ÓTIMO. É IMPERDÍVEL ASSISTI-LO!

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