4 de out. de 2010

Watchmen



por Nelson Lopes Rodrigues


     Dentre as novidades do cinema, é quase notório para os fãs dos quadrinhos que o filme Watchmen (2009) foi um dos mais esperados de todos os tempos. A HQ foi escrita em 1986 por Alan Moore e Dave Gibbons, e chegou às bancas de revistas americanas entre 1986 e 1987, sendo considerada por todos os leitores de quadrinhos uma obra-prima da nona arte. Com mais de 400 páginas, a trama se passa em outra realidade, onde o mundo co-existe com heróis mascarados.

     Zack Snyder (de Madrugada dos Mortos e 300), [...] assina o filme. Foi uma espera de mais de 20 anos para os fãs da série, que desde o princípio oravam pela adaptação do cinema, devido a qualidade dos quadrinhos. A complexidade da estrutura narrativa é surpreendente, Watchmen separa seus capítulos em quadrinhos com textos que fingem ser retirados de outras mídias impressas como jornais e livros¹. Mesmo nos quadrinhos, temos três dimensões distintas na narrativa: a trama principal, sequências que mostram a vida de uma série de pessoas comuns na agitada cidade de Nova York- alternativa, e a história em quadrinhos que uma dessas pessoas lê. Por último, Watchmen eletrizou muita gente por seu discurso político, que advertia sobre a enorme quantidade de caminhos que poderiam conduzir ao fascismo num mundo como o nosso (Lembremos de Bush & Cia).

     O mais interessante, filosoficamente, na narrativa do filme, é sem dúvida a questão levantada por Ozymandias por salvar a humanidade por um meio pouco ortodoxo. Se lembrarmos do final, há uma questão ética de fundamental valor. Os fins justificam os meios? Explodir a cidade e culpar Mr. Manhattan (herói cientista que no filme trabalha numa forma de energia renovável) para impedir a 3ª guerra mundial?

     [Esta] foi a solução encontrada pela personagem Ozymandias (na HQ de Alan Moore há uma lula gigante que cai na cidade!). O anti-herói cria uma bomba feita da mesma matéria do Mr. Manhattan (o homem mais poderoso da terra) e destrói a cidade de New York para culpar Mr. Manhattan e assim, os Estados Unidos e a União Soviética parariam a Guerra Fria e uniriam forças para combater um inimigo comum.


     O filósofo Maquiavel nos revela que no domínio da ação política é preciso considerar sempre o resultado e não as intenções. Pela perspectiva de Maquiavel pouco importa se a intenção com a qual o homem público realizou determinada ação foi reta ou não, ou se há nela alguma “correção intrínseca”, mas, se o seu efeito pôde garantir um bem à coletividade. A ética em Maquiavel se contrapõe a ética cristã: para ela, as atitudes dos governantes e os Estados em si, estavam subordinados a uma lei superior, e a vida humana destinava-se à salvação da alma. Para Maquiavel, a finalidade das ações dos governantes passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o próprio, de forma que uma atitude não pode ser chamada de boa ou má a não ser sob uma perspectiva histórica.

     Reside aí um ponto de crítica ao pensamento maquiavélico, pois com essa justificativa, o Estado pode praticar todo tipo de violência, seja aos seus cidadãos, seja a outros Estados. Ao mesmo tempo, o julgamento posterior de uma atitude que parecia boa, pode mostrá-la má.

A questão do filme pode ser analisado a partir de uma ótica maquiavélica? Talvez, afinal de contas alguns heróis morreram no final do filme por Mr. Manhattan (Coruja II e Rorschach se mostraram contra a atitude de Ozymandias). O filme propõe uma discussão sobre problemas cotidianos, e mostra os perigos de se construir uma sociedade com políticas que se fundamentam na tese de que os fins justificam os meios.


1 - Watchmen ganhou vários prêmios, como os Prêmios Kirby e Eisner, além de uma honraria especial no tradicional Prémio Hugo, voltado à literatura: é até o momento a única graphic novel a conseguir tal feito. Watchmen também é a única história em quadrinhos presente na lista dos 100 melhores romances eleitos pela revista Time desde 1923.Referencias bibliográficas:




ESCOREL, Lauro. Introdução ao pensamento político de Maquiavel. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979. p. 19.

RIDOLFI, Roberto. Biografia de Nicolau Maquiavel. São Paulo: Musa Editora, 2003. p.19.
Recentemente, a editora Via Lettera relançou Watchmen no mercado nacional em três volumes.


Artigo originalmente publicado no Filonética.

WATCHMEN (idem, Estados Unidos, UK, Canadá, 2009)
Direção: Zack Snider
Elenco: Malin Akerman, Billy Crudup, Matthew Goode, Jackie Earle Haley, Jeffrey Dean Morgan, Patrick Wilson, Carla Gugino, Matt Frewer, Stephen McHattie, Laura Mennell, Rob LaBelle, Gary Houston, James M. Connor, Mary Ann Burger.




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