por Luiz Santiago
Todo e qualquer tipo de segregação ou agressão é desprezível e infame. Se atentarmos para as muitas ocorrências nesse campo, veremos que em grandiosa parte das vezes, a covardia é o elemento sustentador das ações, pois sempre dirigem-se a alguém indefeso ou impossibilitado, por algum motivo psicológico ou físico, de revidar. Vale lembrar que a violência, via de regra, é realizada em grupo.
A preocupação com relação ao bullying, ou segregação moral, física e social, é uma das grandes discussões de nossa década, e o antro mais fecundo (embora não seja o único) dessas ações violentas, são as escolas, porque reúnem diversos grupos morais, e oferecem, por sua constituição, um ambiente perfeito para a prática: plateia, seguidores e vítimas. Sim, porque quem executa atos de violência de qualquer tipo, o faz para destacar-se, e precisa de um séquito para aplaudir suas atitudes e venerá-lo.
Um outro lado também pode ser considerado: não seriam os “valentões” vítimas de agressão em algum lugar – do passado ou presente –, e, tendo uma personalidade vingativa e neurótica/psicótica, querem impingir o mesmo sofrimento que lhes são ou foram causados, em outra pessoa tão indefesa quanto eles? Concordamos que isso não é nem de perto uma justificativa, mas como críticos, é nosso dever esquadrinhar o máximo de possibilidades que se nos apresentam.
Uma pergunta raramente feita sobre o tema tornou-se o motivo do do roteiro de Stephen Prentice em Distúrbio (2009): e se as vítimas de bullying pudessem se vingar?
A corrupção moral e sua relatividade entre perdedores e dominadores, tal como propôs Nietzsche, vem embalar a juventude dionisíaca que vemos neste filme dirigido por Jon Wright. A palavra da vez é “diversão”, e tudo o que for possível fazer para levar o que se entende por “diversão”, a cabo, será feito. No decorrer do filme, quando defrontados com a responsabilidade de sua ação livre (conhecida condenação sartreana), os jovens optarão pela mentira e pelo assassinato para livrar-se do mal presente: em nenhum momento as regras morais sugeridas pelo Contrato Social afloram. Um exemplo semelhante podemos ver em Cama de Gato (Alexandre Stockler, 2002).
Mas em Distúrbio, a questão crítica é minimizada pelo gênero do filme, que precisa de toda uma cartilha técnica para “dar certo”.
A história se passa com um grupo de estudantes de uma escola no Reino Unido. O modo narrativo não se difere em nada do “terror subjetivo” a que estamos acostumados, principalmente para quem conhece obras do gênero produzidas no Oriente – embora estas sejam muitíssimo superiores a esse Trash Movie que é Distúrbio.
Um jovem chamado Darren Mullet suicida-se (em tempo elíptico), e o início do filme, após duas criativas transposições temporais que só entendemos ao final da fita, é justamente o velório do jovem aluno. Com o tempo, descobrimos que Darren não era nada popular entre os colegas, e que era vítima de bullying, sendo o suicídio, a sua forma de de escapar da vida infernal a que era submetido. A autoridade escolar, os pais, e até mesmo os professores mostram-se ineficientes, e o aluno fica à mercê de um grupo de jovens sem limites.
Mas Darren Mullet não morre, de fato. Na noite do dia em que foi enterrado, o vil grupo que o atormentava dá uma festa de comemoração (observem as características típicas do Terror Trash), e é aí que o vingativo espírito passa a agir. Inicialmente, o Darren-além-túmulo começa a enviar mensagens macabras para os celulares dos seus antigos algozes. Depois, a vingança se dá em larga escala, e a eliminação é concluída em pouco tempo, não poupando ninguém.
Embora trabalhe com certa responsabilidade a temática da violência moral e física contra alunos “diferentes” (Darren Mullet é obeso), o filme segue a trilha do asco em detrimento da reflexão. Não que Distúrbio devesse ser um filme teórico sobre o tema ou um terror cerebral, etc. Mas a desmedida vingança da ex-vítima acaba por tirar a força da opção de denúncia sobre o bullying, levantando a problemática da pergunta: e se uma vítima dessas agressões pudesse vingar-se?
O elenco é terrivelmente ruim e mal dirigido, bem como a maior parte do filme, sendo apenas algumas sequências salvas da danação medonha que se apodera da película após o sangue começar a correr. Vale dizer que as atrizes April Pearson e Larissa Wilson fazem um trabalho notável na série Skins (2007 - presente), o que de certa forma impressiona a queda de qualidade do trabalho de ambas.
O ambiente gótico (inclusive com uma tribo totalmente injustificada no contexto do filme) é ressaltado pela fotografia escura, e adequado ao rock que pontua toda a obra. Mas o próprio roteiro é constituído de características desse tipo, o que não espanta o caminho macabro e muitas vezes caricato que é trilhado. Algo interessante é vermos que mesmo em todo rio de sangue e mortes à la (pasme!) Re-Animator (1985), ainda temos um desvirtuamento moral ao fim da obra, quando o Darren-espírito parte para cima do casal bonitinho de protagonistas.
Duas coisas ressaltamos desse epílogo: a prejudicial simpatia que o especador nutre pelo romance cinematográfico, aqui, fator primordial para a condenação da ex-vítima, e o uso desse fato para o gancho da cena final, em uma saída fácil (já aludida em cena pregressa). Há uma ambiguidade moral enorme ao fim de Distúrbio, e numa tentativa de dar força psicológica à trama através do humor negro, há uma pequena cena final do treinador do time da escola encontrando-se com o Darren-espírito. Se as coisas não funcionaram nada bem durante 88 minutos de projeção, esta pequena cena é algo que nem merece ser comentado.
DISTÚRBIO (Tormented, UK, 2009).
Direção: Jon Wright.
Elenco: Alex Pettyfer, April Pearson, Dimitri Leonidas, Calvin Dean, Tuppence Midleton, Georgia King, Larissa Wilson, James Floyd.