27 de set. de 2010

Tropa de Elite



Triagem da Tropa

por Adriano de Oliveira



     "Tropa de Elite", o celeuma, está acima de "Tropa de Elite", o filme. Não que a película seja ruim, inclusive muito pelo contrário. O detalhe é que tem se falado mais de aspectos relacionados a temas do filme, como o uso de tortura e de força exagerada por parte da polícia (no caso, o BOPE - Batalhão de Operações Policiais Especiais - do Rio de Janeiro) na repressão ao crime - em particular, aos traficantes de drogas -, do que da qualidade da obra em si, transformando-a num fenômeno midiático de debate social, político e institucional, resultando por deixar a abordagem fílmica em si num plano bastante posterior.

     Não quero aqui discutir o que muitos vêm fazendo Brasil afora: analisar se"Tropa..." é um filme fascista ou não. Parece-me uma conversação tão inconclusiva quanto avaliar por certo prisma o trabalho prévio de seu diretor José Padilha, o documentário "Ônibus 174": para uns, humanista; a outros, marxista. "Tendencioso", falaram alguns; "isento", contrapõem vozes. Em suma, a palavra "polêmica" volta a carimbar a prole cinematográfica de Padilha.

     Pretendo, sim, levantar alguns tópicos sobre a fita ela-mesma. "Tropa de Elite", não fosse alvo da comoção causada pelo momento em que vivemos - um país mergulhado num conflito causado por motivos sócio-econômicos eclodindo em violência por todos os cantos -, deveria sobretudo ser visto como o bom filme de ação em que consiste. Reforce-se tal com as atuações notáveis de seu elenco: Wagner Moura brilhante como o protagonista Capitão Nascimento; a revelação André Ramiro, excelente como Matias (roubando o filme para si, ao construir o personagem mais interessante da história narrada - bastam ver as nuances que ele apresenta ao longo da projeção); o sempre competente Milhem Cortaz no papel do Capitão Fábio...e estes são apenas alguns exemplos. Junte então tudo isso em um roteiro coeso, lembrando respeitosa e vagamente referências como "Dia de Treinamento" e "Nascido para Matar".




     As qualidades da fotografia (Lula Carvalho) e da montagem (André Rezende, da ainda insuperável obra-prima nacional "Cidade de Deus", esta uns patamares acima de "Tropa...") são deveras elogiáveis. A direção de Padilha se apresenta eficiente, com boas tomadas e uma fluência cinematográfica surpreendente para quem havia feito antes um engessado "Ônibus 174", à beira do tosco em tal sentido. O desembarque do cineasta na ficção espanta positivamente. Assim, apenas se lamenta que na emblemática cena final lhe falte um pouco de criatividade para não imitar deliberadamente uma passagem de "Sobre Meninos e Lobos" envolvendo os personagens de Sean Penn e Tim Robbins. A bela criação visual de Clint Eastwood é, em tal ocasião, copiada, e déjà-vu em Cinema nunca fica muito bem-vindo.

     Curioso é como por vezes a Sétima Arte faz coro à vida real, ao seu tempo. E "Tropa de Elite" está em sintonia com o momento presente no Brasil, fato de onde emerge sua eloqüência às massas. O filme certo no momento certo, que conseguiu suplantar a barreira de ser um action-movie qualificado, e na carona traz consigo material para refletir. Só que ele não está desacompanhado ao dizer do uso de violência para aplacar violência e de mostrar a ineficiência e/ou a corrupção nas instituições policiais, o que resume a guerra urbana não somente no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo onde haja crime em larga escala. Em uma alarmante tendência vista recentemente no cinema mundial, outros filmes falam de temática similar, espelhando tais problemas e sugerindo que se trata de um fato a ultrapassar nossas fronteiras nacionais. Algo internacionalmente sintomático, portanto.


     O estupendo francês "36" (com os ótimos Daniel Auteuil e Gerard Depardieu), já disponível em DVD, traz a questão da frustração policial no combate a uma gangue de agressivos assaltantes, a qual somente se mostra comparável à uma outra ferrenha luta: a de egos, nunca honesta, dentro do alto escalão da polícia parisiense. "Death Sentence", película americana ainda sem título em nosso país nem data de estréia, traz Kevin Bacon como um adepto do "vigilantismo" como meio de vingança. E em breve, teremos em "telas brasilis", Jodie Foster estrelando "Valente": uma versão de saias para"Desejo de Matar", que popularizou Charles Bronson e seu papel do arquiteto/justiceiro Paul Kersey, na época (década de 70 do século passado) uma resposta via écran à impunidade do crime nas ruas nova-iorquinas.

     Sinal dos tempos, e que tempos... Mas isso já é outra questão, indo além deste artigo. 


Artigo originalmente publicado no Cine Revista.



TROPA DE ELITE (Brasil, 2007)
Direção: José Padilha.
Elenco: Wagner Moura, Caio Junqueira, Milhem Cortaz, André Ramiro, Fernanda Machado, Maria Ribeiro, Fábio Lago.


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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