por Luiz Santiago
O Musical é o gênero cinematográfico mais “irreal” de todos os gêneros, disparado na frente da ficção científica (se o leitor ainda duvida, compare a “realidade” de 2001: Uma odisseia no espaço com a de Sinfonia de Paris, por exemplo). Assim, um bom musical não deve negar o seu caráter onírico e fantasioso, mas fazer o máximo de relações possíveis (e coerentes) entre os números e os momentos da trama, como em Hair (1979), onde Milos Forman executa com uma boa mão o entrelaçar das diferentes partes, e o resultado é simplesmente brilhante.
Hair surgiu em um momento histórico de quase completa indiferença social em relação à política, à alma, ao mundo. A juventude anti-guerra do Vietnã, a contracultura, o movimento hippie, a politização que abarcou os jovens dos anos 1960, era praticamente uma sombra de bons tempos passados. Nesse cenário de maior “comodismo”, não é de se espantar que Hair fizesse tanto sucesso: primeiro, porque ressuscitava um período da história dos Estados Unidos (e por tabela, do mundo todo), onde as drogas, o sexo, a música e o antibelicismo, junto a uma forte consciência política, eram o dia a dia de grupos andarilhos preocupados em viajar (em todos os sentidos) e ver a paz; segundo, porque se baseia na famosa peça da Broadway, e tem músicas definitivamente inesquecíveis; e terceiro, porque a adaptação para o cinema não se prendeu às limitações do palco, e ganhou até um ar road-, e aparências de documentário.
O filme conta a história de Claude, um jovem do interior dos Estados Unidos (Oklahoma), que encontra um grupo de hippies no dia anterior à sua apresentação no Exército. Uma forte amizade se delineia entre Claude e a tribo. Junta-se aí a paixão do jovem soldado por uma garota de uma família rica, sua posterior apresentação no Exército, a ideia de troca de identidade com o amigo, e o final tocante e surpreendente, embalado por Let the sunshine in, (The flesh failures).
Forman dá liberdade à câmera, e não moraliza o espírito da contracultura, exibindo as cenas de nudez, os diálogos politicamente incorretos, e o comportamento hedônico dos protagonistas. Desde a ótima abertura (que vai de Oklahoma ao Central Park, através de uma série de curtas panorâmicas) ao som de Aquarius, até os excelentes momentos finais (de Three-Five-Zero-Zero e Good morning starshine à já citada Let the sunshine in), o espectador é inserido em um mundo de alucinações, alucinógenos, liberdade sexual, social, política, amizade e amor. O elenco principal, composto por John Savage, Treat Williams, Beverly D’Angelo e Annie Golden é simplesmente fenomenal. Além de cantarem muito bem, realmente parecem hippies, não são como a nada convincente Natalie Wood como uma porto-riquenha, em Amor, sublime amor. A sequência final, quando os soldados entram no avião, que de longe, parece uma grande cova, é um dos elementos estéticos bem executados que compõem o encerramento dessa incrível obra de Milos Forman, que merece ser revista e repensada, especialmente em tempos de sangue e guerra como os nossos – e como foram todos os tempos, desde que o homem soube o que fazer com o metal...
HAIR (EUA, Alemanha Ocidental, 1979).
Direção: Milos Forman
Elenco: John Savage, Treat Williams, Beverly D'Angelo, Annie Golden, Dorsey Wright, Don Dacus, Cheryl Barnes, Richard Bright, Nicholas Ray.