27 de ago. de 2010

Luzes na Escuridão


OU

Luzes frias de um inverno sentimental

por Adriano Oliveira

Coordenador do site Cine Revista e Crítico de cinema (ACCIRS).


     Vejamos a sinopse d"Luzes na Escuridão": guarda-noturno de um shopping center é seduzido por mulher fatal e involuntariamente acaba contribuindo para um assalto em uma joalheria do complexo pelo qual deveria zelar.

      Se você achou que essa premissa constitui a base de um filme noir, gênero cujo ápice produtivo se deu na primeira metade do século passado, saiba que você está certo. Mas o que vai lhe surpreender é que o tal título em questão não consiste em um noir típico - ao menos aquele dos moldes hollywoodianos a que nos acostumamos do ponto de vista cinematográfico. O diretor finlandês (ah, uma pista para elucidar o porquê dessa diferença) Aki Kaurismäki subverte as tradicionais regras do jogo desse gênero fílmico ao empregar seu leitmotiv como pilar - e não como fim em si - para a construção de uma obra de teor social e psicológico, bem como detentora de um andamento minimalista no concerne às ações - algo que o iraniano "Ouro Carmim", de Jafar Panahi, havia feito em 2003.



      Se o maior mérito do filme nórdico está em cumprir com efetividade seu objetivo de estruturar uma crítica social em torno de um núcleo que não é habitual ao tipo, talvez o seu grande problema esteja em querer peremptoriamente impor a si uma atmosfera demasiado gelada, a qual acaba por afastar gradualmente o espectador da trama. Tudo em "Luzes na Escuridão" é deveras austero. As situações são objetivas, os diálogos, mínimos, e a fotografia de externas opta por uma luz melancólica. Nada disso constitui incômodo - e inclusive soa coerente dentro de uma certa proposta estética, regada ainda a planos tão econômicos quanto belos - não fosse o andamento do personagem principal dentro da história e a aridez emocional dos secundários. Esses aspectos do roteiro de Kaurismäki (sim, ele é também guionista aqui) são o que mais pesa na função de criar uma barreira emocional crescente entre plateia e tela. O protagonista se assemelha a um Jó bíblico de nosso tempo, tamanho o sofrimento pelo qual o vigilante Koistinen (interpretado pelo ator Janne Hyytiäinen) passa. Entanto, as reações dele a esse calvário sempre ocorrem com uma resignação que mais parece uma indiferença ao mundo exterior do que atos de um homem carente enlevado por uma paixão inesperada. Em certo momento da projeção, para aceitar o comportamento de Koistinen, o espectador dotado de senso suporá que o guarda noturno possui uma inteligência abaixo do normal, algo que se presume não estar pretendido no script do roteirista. Por sinal, o espírito de derrotismo do filme, síntese da exploração de homens marginalizados nas grandes cidades, é tão intenso que a inércia de seu protagonista impede que se sinta comiseração do mesmo, mas sim, antipatia por ele. Era essa a intenção do realizador?

      Outros detalhes, tanto os pouco prósperos da fita, como a caracterização dos mafiosos da trama (onde, nesse ponto, figurinos e direção de arte, entre o corriqueiro e o vintage, cumprem mal o seu quinhão), quanto os melhores, como a sua eclética trilha sonora - que vai de Puccini a Melrose, passando por Gardel -, findam por eclipsados diante de uma gelidez espiritual onipresente, ambientada numa Helsinque semi-desértica, de ruas limpas e habitantes entediados, modorrentos.

      Como um prêmio àqueles que testemunharam a realização do objetivo do diretor em mascarar um noir de filme social, resta uma bela cena, a qual traz um pingo de esperança à história narrada. Pena que esta é a imagem final e ali se acendem tanto as luzes da sala de projeção quanto as luzes na escuridão de que o título nacional trata (a tradução literal do original finlandês seria "luzes no crepúsculo", certamente mais poético).


Texto originalmente publicado no Cine Revista.


LUZES NA ESCURIDÃO (Laitakaupungin Valot, Finlândia / Alemanha / França, 2006)
Direção: Aki Kaurismäki.
Elenco: Janne Hyytiäinen, Maria Järvenhelmi, Maria Heiskanen.




FILME REGULAR. ASSISTA SE TIVER TEMPO.

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