14 de jul. de 2010

Memória


por Luiz Santiago


   A memória é um elemento essencial da cultura humana.

   É com os dados da memória que se reconstrói ou se modela o passado de alguém ou de alguma coisa. Por ter esse poder revelador e propício ao uso da crítica, a manipulação da memória de uma nação ou povo, através de um ancestral analfabetismo político e um conservadorismo latente, é algo de suma importância para a permanência de diversas estruturas sociopolíticas, tão rondadas pelos líderes e aspirantes políticos. No caso do Brasil, um patronato político e até mesmo cultural que perdura a mais de 500 anos, tem um efeito reacionário em boa parte da população, ou seja, a lembrança do passado dever ser apenas para trazer à tona os grandes heróis. De outro modo, a vida no presente é a única que importa, o passado deve ser esquecido. Somos desencorajados a lembrar e analisar o passado.

  Tocando nessa memória transgênica brasileira (e, de certo modo, mundial), o cineasta Roberto Henkin dirigiu um incrível e crítico documentário em curta-metragem, produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, e cujo roteiro assina com Jorge Furtado, sob um título não menos preciso: Memória (1990).

  O curta-doc trabalha dois momentos de nossa política nacional: a renúncia do presidente Jânio Quadros e a sua reeleição à prefeitura de São Paulo, 25 anos depois; e as eleições para a presidência da República em 1989, que estampavam Collor como a salvação do país. Depoimentos de cidadãos são mesclados a uma construção narrativa incrível, que dá ao filme uma característica de meta-cinema, algo muito caro às produções da Casa de Cinema, como podemos ver em Um homem sério (1996), O sanduíche (2000), A importância do currículo na carreira artística (2001), entre outros. Essa mescla de elementos em Memória, termina com a queima de filmes "antigos" em uma fábrica paulista, para a produção de vassouras (por ironia, o símbolo da campanha de Jânio Quadros, e simbolicamente, de Collor, na época, “o caçador de marajás”), e as declarações dos candidatos e seus eleitores.

   Henkin faz um percurso que toca todas as “feridas da memória”, a começar pelo seu caráter quase mítico, ou divino, recobrando a história de Sodoma e Gomorra, já na abertura do filme. A partir daí, muito objetivamente e com uma linha estrutural narrativa impecável, vemos algumas “pequenas memórias”, suas representações, percepções, e comprovações no tempo, se ajustarem e formarem um bloco único, o produto do curta.

   Com uma abordagem crítica e pontuada de amargura pela ignorância corrente, o curta de Henkin relembra que “lembrar é preciso”, caso contrário, não há vida, há um espetáculo de marionetes.


MEMÓRIA (Brasil, 1990).
Direção: Roberto Henkin
Elenco: João Batista Diemer, Maria Verbena de Souza. 


FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.

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