por Luiz Santiago
Espelho Mágico (2005) é mais uma das lindas e estranhas empreitadas barrocas de Manoel de Oliveira. O filme traz a fé como elemento gerador do argumento fílmico central, e a partir dele, o fanatismo encontra lugar e se propaga, gerando situações que beiram o surreal e a comédia. Manoel de Oliveira visita os recônditos da fé cristã, e o “espelho mágico” do título é sustentado por essa base sobrenatural. Ver-se frente à santidade, estar diante de Maria Mãe de Jesus, e querer ter contato com os santos, pode parecer produto de uma mente sandia, mas nesse filme, vemos dada uma nova dimensão à “loucura do fanatismo religioso” e à crença nos santos em Deus.
Algo mais a que se deve observar é a música-tema da obra, o incrível poema sinfônico Danse Macabre, de Camille Saint-Saëns. A música abre e fecha o filme, e a mensagem dada é a de que a morte ronda o homem, e também sua fé e sua visão de si mesmo. Em meio a esse poço de adoração ao invisível, há os incrédulos, aqueles que se aproveitam da fé dos outros para fraudarem-lhes.
Cena de abertura do filme. |
Produto de um grande cineasta, Espelho Mágico vai muito além da má recepção da crítica. É um filme sensível e provocante, cheio de idas e vindas, cheio de fulgor, um filme que atravessa diversas mortes simbólicas: a do corpo, da alma, da moral, e da fé. Ao contrário do que um certo crítico brasileiro disse (crítico a quem tenho abissal antipatia, principalmente após ler esse texto: “E não me venham com Manoel de Oliveira que sempre foi ruim, e continua do mesmo jeito, só que veneravelmente vivo.”), Manoel de Oliveira é sim, um grande cineasta, e se não temos em Espelho Mágico uma obra-prima, temos um maravilhoso exemplar de sua gigantesca filmografia, que além de questionar o divino e discutir a morte, traz para quem assiste uma profunda reflexão sobre o que é sagrado e o que se fabrica como sagrado. Espelho Mágico é sim um filme que deve ser visto.
ESPELHO MÁGICO (Portugal, 2005).
Direção: Manoel de Oliveira
Elenco: Leonor Silveira, Ricardo Trêpa, Luís Miguel Cintra, Leonor Baldaque, Glória de Matos, Isabel Ruth, Marisa Paredes, Michel Piccoli, Lima Duarte, Maestro Atalaya.
FILME MUITO BOM. FORTEMENTE RECOMENDADO.