5 de fev. de 2011

O Concerto (2009)


Fantasia sobre um tema de Tchaikovsky

por Adriano de Oliveira




     O Concerto para Violino e Orquestra de Piotr Tchaikovsky é uma das peças para o instrumento de maior dificuldade no gênero concerto erudito, ao lado do exuberante Opus 26 de Max Bruch e dos dois exemplares deliciosamente diabólicos de Niccolò Paganini. Essa obra está gravada a fogo na memória do ex-maestro russo Andrei Filipov, que teve, na trama ficcional de "O Concerto" ("Le Concert", 2009), sua carreira interrompida em represália a não se submeter a uma decisão do governo linha-dura do então presidente soviético Brezhnev justamente numa apresentação pública de tal peça.


     Décadas depois, Filipov é uma sombra daquilo que foi, trabalhando como faxineiro do famoso Teatro Bolshoi de Moscou desde aquele episódio. Limpando o gabinete de seu chefe, ele toma conhecimento de um convite enviado por fax e vindo de Paris para uma apresentação da orquestra do teatro por lá. O ex-regente esconde o convite de seu superior e passa a pôr em prática uma absurda ideia: convocar seus amigos que foram injustiçados pelo antigo regime para se apresentarem no palco francês como se fossem a própria formação oficial do conjunto sinfônico do lendário teatro moscovita.



     Você precisa abraçar esse argumento quase irracional para poder desfrutar de "O Concerto" sem maiores incomodações. A fuga da realidade, por exemplo, aqui se dá de um modo mais intenso que em um dos filmes anteriores do romeno Radu Mihaileanu, "Trem da Vida" (1998). Deste filme, o diretor resgata aqui o humor judaico e o non-sense, ainda que um bocado longe daqueles resultados mais que efetivos obtidos anteriormente. E, se em "Trem da Vida" o non-sense era visto como alívio cômico em meio a um drama, aqui ele vai de mola-mestra e se acha deflagrado em uma espiral crescente: da delirante proposta inicial à apresentação em um teatro lotado de uma orquestra que não ensaiou antes, tudo soa um bocado dalinesco.


     O bom ator Aleksey Guskov interpreta Filipov, apoiado em cena pelo trabalho competente de Dmitri Nazarov como "Sasha" Grosman, o melhor amigo do antigo condutor de orquestra. A bela Mélanie Laurent, um dos nomes principais do elenco de "Bastardos Inglórios" - com quem "O Concerto" faz par na absurdidade, por sinal -, ocupa-se do papel de uma violinista de renome, saindo-se muito bem. Houvesse de se apontarem similaridades com personagens da vida real, Filipov equivaleria, embora em grau bem menor, ao gênio Mstislav Rostropovich, maestro (e violoncelista extraordinário) russo que teve de se exilar no exterior por atritos com o governo da URSS, enquanto Anne-Marie Jacquet (papel de Laurent) seria uma versão, na similaridade física e no reconhecimento mundial, da Anne-Sophie Mutter de duas décadas atrás, um raro talento do violino.



    Ao abordar em si a realização do tal concerto que dá título ao filme, Mihaileanu foge um pouco das convenções que um suite master televisivo usualmente faria - o uso de closes nos rostos, por exemplo, parece ter a dupla função de maquiagem cinematográfica e ampliação de emoções - , sendo que boa parte dessa fuga se acha apoiada pela montagem. A mesma montagem que valoriza a dramaticidade em cena é um veneno para a verossimilhança, pois quem não conhece a peça em questão poderia pensar que ela possui um movimento único (mesmo que usualmente não haja pausa entre o segundo e o terceiro), assim como uma noite de gala certamente não começaria com uma obra concertista, conforme o sugerido. Neste ponto, também cabe uma crítica ao modo com que o roteiro e o protagonista tratam de Sergei Prokofiev, um compositor russo certamente menos conhecido que Tchaikovsky, mas de quem não deveriam constituir suas peças mera obrigação formal ou escada de repertório como da maneira tão pouco grata com que são colocadas as obras dele em diálogos na trama (nem é preciso dizer que sequer são executadas em cena).

     "O Concerto" representa, como já dissemos, uma obra fílmica que inelutavelmente exige uma cumplicidade para com ela de parte do espectador; algo que nem todos, ou ao menos não pelo tempo todo, têm para lhe dar em troca. Mesmo assim, guarda lá seus bons momentos, seja em seu humor, seja no esforço de conclui-la de um modo que arrebate e ao mesmo tempo resolva-lhe bem, dentro do espírito que ela guarda.


Artigo originalmente publicado no Cine Revista


O CONCERTO (Le Concert, França/Romênia/Rússia/Itália/Bélgica, 2009). 
Direção: Radu Mihaileanu. 
Elenco principal: Aleksey Guskov, Dmitri Nazarov, Mélanie Laurent, Miou Miou, François Berléand. 


FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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