27 de dez. de 2010

Ao Cair da Noite



por Luiz Santiago


     Em 1956, Roger Vadim chocou a débil sociedade dos “bons costumes” com o tremendo …E Deus Criou a Mulher, filme cujo papel principal exibia a beleza e a sensualidade da inesquecível jovem Brigitte Bardot. Dois anos depois, o diretor apresentou mais um filme sensual, porém, com uma trama fraquíssima, que misturava beleza imagética, Bardot novamente inesquecível e metros e metros de película descartáveis. O filme em questão é Ao Cair da Noite, produção franco-italiana filmada em Málaga e Torremolinos, terras andaluzas que enchem os olhos do espectador e conseguem ao menos salvar o cenário do filme como algo realmente muito bom e sem ressalvas.

     Úrsula, após sair do Convento, hospeda-se na casa de seus tios. No dia de sua chegada, presencia uma briga entre um jovem rebelde e o patriarca da casa, e chega a intervir no último momento, para que o velho não mate o moço por quem ela imediatamente se apaixonara. O cotidiano na pequena vila campesina levará a jovem a conhecer a fundo o mundo de amor e ódio que a cerca, e suas escolhas, a partir de então, vão mudar para sempre a sua vida. Essa trama central de Ao Cair da Noite, é um pequeno suspense, que se desenvolve regularmente a cada tropeço que dá durante os seus 93 minutos de duração.


     O trabalho realizado em torno da sensualidade de Brigitte Bardot (então esposa do cineasta – que além de Bardot, foi casado com Catherine Deneuve e Jane Fonda) consegue ganhar o espectador. O sexo é posto como premissa dramática, e todo o roteiro (adaptação do romance de D'Albert Vidalie) segue motivos, frustrações, fetiches e desejos sexuais. A presença de Bardot já dá ao filme uma atmosfera libidinosa, e mesmo que sua atuação beire o excêntrico bipolar, o espectador é brindado com isoladas cenas de pura candura e suavidade de interpretação, embora lamente que esses momentos durem tão pouco. A mesma linha de atuação segue todo o elenco, e talvez apenas Fernando Rey (o tio de Úrsula, personagem de Bardot) esteja em boa performance todo o tempo.

     Particularmente não considero Roger Vadim um grande diretor, mas admiro sua incrível capacidade de usar o cenário ou a topografia das externas ao seu favor, e isso nos aparece em Ao Cair da Noite através dos incríveis ângulos, planos e fotografia do experiente Armand Thirard. Na maior parte do filme, a exploração do território andaluz e dos próprios elementos postos em cena constituem louváveis momentos de epifania, sendo o mais belo deles, a sequência do moinho, onde absolutamente tudo fornecido pelo cenário ganha significação: da sombra produzida pelas pás do moinho até o trânsito de Bardot e Boyd pelo cenário, mais a música que acompanha o início e coroa o final da sequência. O fortíssimo colorido do negativo Eastmancolor deu ao filme uma paleta de cores quentes misturadas ao ocre, azul e verde, resultando num visual belo, porém irreal; não que isso seja ruim, mas a saturação da cor parece fazer-nos perceber a irrealidade do mundo apresentado do outro lado da tela, algo que, cinematograficamente, é uma anomalia. Porém, em meio a tão ampla criatividade de uso da câmera, nos deparamos com tomadas imperdoáveis como o terrível contraplongé do trem, ao início do filme.


     Georges Auric é quem assina a trilha sonora da película, e mais uma vez vemos a genialidade de sua música imponente. Se lembrarmos um pouco das outras importantes partituras do compositor para o cinema (A Bela e a Fera e Orfeu, de Cocteau; O Salário do Medo, de Clouzot; A Princesa e o Plebeu, de Wyler ou Lola Montès, de Ophüls) veremos que o caráter sinfônico e propositalmente cênico (vindo de sua larga experiência com o balé) permanece também em Ao Cair da Noite, mas completamente revestido da sonoridade flamenca, que inclui em cena, a execução de uma dança com castanholas e uma rondeña executada num arrebatador pôr-do-sol defronte ao mar.

     É por ter elementos técnicos tão bons que a dispersa direção de Vadim e a fraca adaptação do romance de Vidalie não tornam Ao Cair da Noite um filme condenável. A despeito dos erros cometidos ao longo da obra, ficamos com um filme menor dotado de grande beleza e com a presença seminua de uma das maiores estrelas do cinema. Dos figurinos à direção de arte, vemos estender-se um leque de boas criações, que apesar de tudo, garantem um suspense e um erotismo deliciosos. Ao Cair da Noite é daqueles filmes que ninguém gosta de fato, do assistiu, mas todo mundo deleita-se com o que vê, enquanto assiste.


AO CAIR DA NOITE (Les bijoutiers du clair de lune, França, Itália, 1958).
Direção: Roger Vadim.
Elenco: Brigitte Bardot, Alida Valli, Stephen Boyd, José Nieto, Fernando Rey, Maruchi Fresno, Adriano Dominguez.

FILME BOM. RECOMENDAMOS ASSISTIR.

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