15 de jun. de 2010

Robin Hood


por Luiz Santiago


          O novo filme do britânico Ridley Scott estreou esse mês, sem muito barulho da mídia. Talvez a frieza da crítica justifique-se pelo trabalho pouco profundo e muito aquém da capacidade de Scott, que já dirigiu obras notáveis, como Alien (1979), Blade Runner (1982) e Thelma & Louise (1991).

           O filme de Ridley Scott anterior a Robin Hood - que estava previsto para o ano passado, e se chamaria Nottingham - foi Rede de mentiras (2008), que apesar da grande agilidade narrativa e da câmera sempre inquieta, aliada a uma edição de dar dor de cabeça, não convenceu em nenhuma hipótese. O filme se mostrou incapaz de sustentar a própria trama apresentada, tornando todo o enredo muito superficial, embora o tema central da história tivesse fôlego para alcançar altos níveis. Ao que parece, imerso nessa agilidade de câmera e das modulações de narrativa durante o filme - a alternância cansativa entre cenas muito lentas e cenas muito rápidas - Scott passou para a produção de seu novo projeto sem novas preocupações de mudança estrutural, o que lhe custou o filme.

          Robin Hood retoma a linha da "película histórica-lendária", área bem conhecida por Ridley Scott, que estreou no cinema em 1977 com o drama Os Duelistas, ambientado na Era Napoleônica. Depois deste, seu próximo "filme histórico" seria um fracasso de bilheteria, porém, um primor de filme - 1492: A conquista do paraíso (1992). Em 2000, o cineasta traria às telas o sucesso Gladiador, outro filme histórico, com Russell Crowe no papel principal. A Idade Média recebeu a atenção do diretor em 2005, com o belíssimo Cruzada. Portanto, Robin Hood, também ambientado na Idade Média, e que também traz Russell Crowe no papel principal, em sua quinta parceria com Ridley Scott, é produto de um cineasta-designer que já é veterano em trabalhos com temática histórica, o que faz parecer estranho a superficialidade da obra.

          Talvez o filme tenha encontrado sua minimização no fato de contrapor duas realidades: a histórica factual e a lendária mítica. O Robin Hood de Scott não emociona ou não funciona porque sua força mina para todo o elemento de reconstrução e construção da lenda, e o filme termina no momento em que ela começa.


          Historicamente, o filme desenrola incorreções históricas graves, mas é escusado dizer que em matéria de cinema, raros são os filmes completamente fiéis à história ou às versões historiográficas. O mais grosseiro erro histórico em Robin Hood é o desfecho do filme, quando o rei João I, recusa-se a assinar aquele documento que seria conhecido como Carta Magna. Todavia, João I, de fato, assinou o documento, em 1215, mas recusou-se a obedecê-lo, o que mergulhou a Inglaterra em uma guerra civil, porém não por muito tempo, posto que o rei morreria no ano seguinte. No filme de Ridley Scott, esses eventos acontecem de trás para frente, e terminam com a (incorreta) recusa de João I à assinatura da Carta.

          Contudo, a reconstituição de espaços específicos como o Tâmisa em frente ao ao castelo, as vilas do interior do país e os cenários de batalha, são muito fiéis à época que se destina a retratar, a saber, o final do século XII e o início do século XIII. Um grande aplauso para os figurinos, que retrataram de maneira incrível a reserva religiosa, as condições climáticas e o conservadorismo típico do norte da Europa àquela altura das Cruzadas.

          Não fixado nem no mundo histórico nem na lenda, o Robin Hood de Ridley Scott é um personagem etéreo, sem força suficiente para fazer valer ou sobressair-se satisfatoriamente em algum dos dois mundos. E a interpretação carente de vigor de Russell Crowe (que deveria ter trazido um pouco do excesso de Gladiador e um pouco da simpatia de Um bom ano (2006) para este filme) intensificou essa sensação de indiferença. O roteiro do filme, portanto, perde-se entre dois polos de ação, e não poderia ser mais insosso.

          O que deveria temperar a obra eram as imagens, o visual bem elaborado, tão usado pelo diretor durante toda a sua carreira. Mas mesmo as imagens do filme são dissonantes para com o restante do que a câmera capta. Não que essas imagens não tenham beleza ou valor estético. São imagens lindíssimas: o estuário do rio Tâmisa, as florestas e o litoral do norte da França, a região próxima ao Canal da Mancha; são grandes imagens. Mas destoam do filme, causam uma espécie de estranhamento negativo, e certamente não foi uma opção do diretor, posto que sua formação como designer o impele a encantar com as imagens, não assustar.

      A fotografia de John Mathieson, muito escura, e caindo em uma bizarra tendência contemporânea que é o monocromatismo, até chega, em alguns momentos a impressionar, especialmente em duas sequências: nas passagens de Robin Hood pela floresta, durante o dia, e toda a sequência do interior da casa de Marion Loxley e seu sogro, Sir Walter Loxley (interpretado pelo soberbo Max von Sydow, muitíssimo mal aproveitado, ainda pior que o seu mau aproveitamento por Scorsese em Ilha do Medo, 2009), é muito satisfatória, de uma beleza rústica e aconchegante, que valoriza em tudo o que há na sala e no quarto, independente do ângulo da câmera. Afora esse momento, vale apena citar as panorâmicas finais, onde, a tentativa de uma fotografia naturalista saiu melhor do que os artífices de descoloração usados para a criação de uma aura visual exótica nas sequências dos flashbacks, que, diga-se de passagem, surgem em momento tardio, inoportuno, e aos borbotões, matando o que poderia ser o segundo melhor momento epifânico do filme. O primeiro, é quando nos é apresentado uma série de fades e fusões, envolvendo imagens panorâmicas de diferentes regiões e sua localização e nome em um mapa antigo, seguido do massacre de sua população sob as ordens do rei João I - por ocasião da tentativa de alavancar o tesouro real cobrando massacrantes impostos. Toda a sequência é de uma enorme força de síntese e possui uma estranha beleza tanto formal quanto estética.



        O elenco de Robin Hood é invejável. Atores de incrível talento são vistos na tela desfilando... maquiagem e figurinos! Já citamos aqui o mau uso feito do inigualável Max von Sydow. Na mesma linha, vemos a fenomenal e belíssima Cate Blanchett em uma atuação que nos faz perguntar, do outro lado da tela: "onde está o diretor desse filme?". É muito claro, portanto, onde está a presença de Ridley Scott na direção de atores: dizendo o que eles não poderiam fazer, limitando-lhes o campo de possibilidades de atuação. Até mesmo o excelente William Hurt está sem graça alguma.

          Para que se tenha uma ideia da péssima direção de Ridley Scott, basta observar o trabalho do ator Kevin Durand, que, apesar de não ser um excelente ator, fez um trabalho incrível como o vilão Martin Keamy, na quarta temporada da série Lost, e que neste filme, exibe apenas músculos, simpatia e sorrisos, mas atuação que é bom... nada. A tentativa de uma separação objetiva "homem-ator-ficção-lenda" trouxe forte carga de impessoalidade a um filme que jamais poderia conter essa carga - já dissemos que não é um filme histórico, propriamente dito, o que é injustificável a forçosa imposição de uma verossimilhança que só faz cansar o espectador.

         Como produto fílmico, Robin Hood é um estrondoso fracasso. Algumas categorias devem ser aplaudidas, entretanto. Além da já citada (o figurino), a trilha sonora, o som e a mixagem de som seguram boa parte das sequências, especialmente as batalhas ou as cenas leitmotiv para uma sequência de ação, sejam elas imediatas ou futuras.


        A música, especialmente, concentra elementos minimalistas à la Philip Glass que são muitíssimo agradáveis de se ouvir, e funcionam perfeitamente o filme inteiro. A edição deve ser citada apenas por ter um criativo papel na exposição das cenas de batalha. O trabalho restante é muito comum, com uso de raccords e elipses básicas que se arrastam durante as mais de duas horas do filme. Além disso, por infelicidade, Scott resolveu fazer uso de uma história com narrativa paralela, tentativa que aplicada a um filme como Robin Hood (ação-história-lenda) dá um passo para desanimar o espectador e empobrecer a obra, visto que nenhuma das duas histórias será contada-resolvida-fechada a contento.

        Como produto comercial, Robin Hood é apenas "fraco", e pode ser consumido alienativamente como um "filme de época bonitinho com grandes atores e muitas batalhas".

        Para um cineasta do porte de Ridley Scott - não artístico, digo comercial, mesmo - Robin Hood é o retrocesso de alguns passos. Pode encantar pelo porte, pela diegese perfeita aos olhos do público acostumado com mais do mesmo: filmes com ação, sangue e romance. E por incrível que pareça, até nisso Ridley Scott peca. Se é um filme essencialmente comercial, deve-se seguir uma linha típica dos filmes comerciais, para que o resultado não seja um patinho feio perante o público ou a crítica. Não que seja impossível inserir elementos artísticos em um filme comercial - que sem esses elementos viram "produto industrial". Os bons cinéfilos sabem muito bem que existem obras feitas pelo e para o grande mercado, mas que são verdadeiras peças artísticas, como é o caso de Diário de um paixão (Nick Cassavetes, 2004), Pecados íntimos (Todd Field, 2006) e Um beijo roubado (Wong Kar-Wai, 2007).

        Robin Hood talvez não valha o ingresso. Mas seria injusto eliminá-lo na Inquisição da Crítica. É um filme que precisa ser visto, já que é a única reconstituição histórica em cartaz, o que é sintomático, em nossa Era. Mas já alertamos: a obra está longe, muito longe de ser um grande filme, e pior ainda, muito longe de ser um bom filme de Ridley Scott.


   Artigo originalmente publicado no Cine Revista.



ROBIN HOOD (Idem, EUA/Reino Unido, 2010)
Direção: Ridley Scott.

Elenco principal: Russell Crowe, Cate Blanchett, William Hurt, Max von Sydow, Mark Strong, Matthew Macfadyen, Danny Huston, Kevin Durand, Scott Grimes, Eileen Atkins, Léa Seydoux, Bronson Webb, Oscar Isaac, Robert Pugh, Alan Doyle. 


FILME REGULAR. ASSISTA SE TIVER TEMPO.



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