2 de out. de 2010

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague



por Luciano Portela


     Um documentário tem a capacidade de buscar uma situação específica dentro de uma realidade contextual. Ou, mais ainda, trazer o que se encontra nas 'entrelinhas' de dada situação. A relação cinema-história é inevitável, pois, é feito um recorte temático, e acima de tudo se busca uma reflexão e determinadas relações, fatos ocorridos; além do mais, o papel do documentário é o de refletir. Podemos citar milhares de exemplos, começando por nosso Brasil, onde temos documentaristas do porte de João Moreira Salles, Geraldo Sarno, Sérgio Muniz, entre inúmeros outros.

     Ao contrário de sensacionalismos baratos, muito em voga também hoje em dia em documentários, o documentário de Emmanuel Laurent, escrito por nada mais, nada menos, do que o eminente historiador do cinema e biógrafo de Truffaut, Antoine Baecque, Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (Les Deux de la Vague, 2009) carrega uma particularidade eu diria que umaraison d'être ao ter a capacidade de explorar a gênese de um movimento do porte que foi e pela importância que o mesmo tem para a História do Cinema. Mas, Emmanuel Laurent não faz somente isso: sua busca é a de dissecar a relação entre as suas duas maiores estrelas, o grande artista e revisor do cinema clássico americano François Truffaut, e o polêmico diretor Jean-Luc Godard.



     A começar, o documentário faz um passeio pelas relações entre os dois, suas origens diferenciadas, seus gostos, suas influências, e claro, o que os unia. O documentário tem ares de cinefilia em estado bruto; mostra como o cinema tinha (e eu diria que ainda tem), papel essencial na França, o cinema como forma de combate. Explora as origens da Nouvelle Vague como movimento revisor do cinema até então de caráter local, que mais tarde ganharia status mundial. Algo muito prazeroso de ver são as cenas de um tímido Godard conversando, entrevistando um tranquilo e jocoso Fritz Lang.

     Vemos também uma verdadeira aula de História, vemos as câmeras não só combatendo o cinema 'enfadonho' que Truffaut criticava como ninguém naCahiers du Cinéma, como também vemos cenas polêmicas do Maio de 1968, onde os diretores saem às ruas contra a deposição do Henry Langlois do cargo de Diretor da Cinemateca Francesa (dentre esses diretores vemos até Nicholas Ray), o polêmico cancelamento do Festival de Cannes do mesmo ano (no que Carlos Saura juntamente com Andrzej Wajda pularam no palco e impediram a abertura das cortinas onde ocorreria a primeira exibição), e também a mudança de rumos dos dois. Observamos um Truffaut claramente compromissado com um estilo cinematográfico mais puxado para o clássico, porém poético, e um Godard mais engajado politicamente, demarcado e fechado em suas fronteiras ideológicas, caminhando para o que seria o Grupo Dziga Vertov junto com Jean-Pierre Gorin. O que restou disso, fora apenas os filmes e o 'filho' do movimento, o ator Jean-Pierre Léaud, que era disputado por ambos.



     O documentário tem grande importância por fazer muito bem um resgate histórico cultural do movimento, de mostrar os altos e baixos de ambos os diretores e, ainda por cima, desmistificar as personalidades mostrando suas fraquezas e anseios. Ao mesmo tempo em que vemos um desfile de imagens nostálgico, de recortes de jornais, em tempos que o cinema estava além do simples, do previsível. Como diria Godard "o melhor filme de ficção é o que parece um documentário e o melhor documentário é o que parece uma ficção".O documentário de Emmanuel Laurent consegue nos transmitir essa magia que o cinema tem por si só, transitando pelos dois gêneros tranquilamente e com uma beleza única.


GODARD, TRUFFAUT E A NOUVELLE VAGUE (Les Deux de la Vague, França, 2009)
Direção: Emmanuel Laurent.



Twitter Delicious Digg Stumbleupon Favorites More

 
Powered by Blogger