por Luiz Santiago
O patriotismo é um sentimento que ainda hoje deslancha polêmicas e discussões de todos os tipos dentro das ciências políticas, e também em tal dimensão, a tese sobre a ideologia do nacionalismo. Indivíduos ou toda uma nação, imbuídos de um “sentimento patriota cego”, podem deixar florescer certa intolerância às diferenças étnicas (especialmente se forem consideradas “ameaças”), e daí para um tipo de terrorismo ético-moral ou para uma linha fascista de pensar falta pouca coisa.
Em análise à sociedade estadunidense após o ataque terrorista ao WTC em 2001, o diretor Sidney Lumet dirigiu para a BBC um filme que trabalhava a paranoia militar ao lado das questões de “segurança nacional”. Com roteiro de Tom Fontana (criador da série Oz, 1997 – 2003), o filme é um drama embebido em lancinante suspense. A história se dá em dois lugares diferentes, Estados Unidos e China, onde dois estudantes são presos sem acusação alguma, afim de serem interrogados pela polícia local. Os meios moralmente desumanos e eticamente deturpados (como a justificativa de que que não usariam a força física porque um terrorista deve viver incólume, como castigo), a polícia de ambos os países quebram o direito humano à liberdade em detrimento de uma ameaça ao país. Vê-se então que a polêmica exposta pelo filme é muito maior do que aparenta no início.
Quando exibido nos Estados Unidos, em abril de 2004, o filme foi tremendamente mal recebido, e sofreu um sintomático corte: dos 120 minutos originais, sobraram os 55 minutos da versão comercial. Mesmo assim, o filme causa um tremendo impacto, seja pela crueza no tratamento das questões políticas e humanas (de corpos nus, ambas as personagens são submetidas à chamada “inspeção geral”, que investiga “todas as cavidades” do corpo). Ao passo que o filme avança, as diferenças entre a abordagem chinesa e estadunidense fundem-se em uma única e desprezível linha de pensamento: “eu posso tentar chegar a um mundo livre da violência, mas sem liberdades individuais”.
A força e a dinâmica do roteiro desse eletrizante telefilme prende-nos desde a sua abertura. A princípio repetitivas – se levarmos a ferro e fogo a concepção narrativa de uma repetição –, as trocas entre as duas investigações ganham “autonomia” dentro de seu quadro fílmico, mas uma completa a outra, porque em ambos os casos, as falas e atitudes são exatamente as mesmas, salvo as particularidades técnico-culturais dos países.
Os meios para se conseguir a verdade, as muitas visões da verdade e o que mobiliza a atitude político-social de um homem são arquitetadas e diluídas a cada minuto desse filme. A contradição da democracia, a contestação da liberdade de expressão e a violação da vida privada aparecem aqui como práticas correntes para se prevenir um crime. Entramos mais ou menos na esfera de Minority Report (2002), ótima e polêmica obra de Steven Spielberg. Inspeção Geral é uma forte cutucada de Lumet às ações do governo estadunidense em sua “luta contra o terrorismo”. É um filme que nos mostra a etérea linha onde a busca pela resolução de um problema se torna pior que o próprio problema.
INSPEÇÃO GERAL (Strip Search, USA, 2004).
Direção: Sidney Lumet
Elenco principal: Austin Pendleton, Maggie Gyllenhaal, Ken Leung, Glenn Close, Bruno Lastra, Tom Guiry, Caroline Kava, Dean Winters.