12 de jul. de 2010

Cría Cuervos


por Luiz Santiago


   Após o fim da Guerra Civil Espanhola, em 1939, Francisco Franco, o “Generalíssimo”, assumiu o poder na Espanha, em uma ditadura que duraria até a sua morte (1975), e que no campo sócio-cultural, foi responsável por uma grande expansão dos valores burgueses de preservação das “sagradas estruturas” responsáveis pela sustentação de um país cuja “ordem” era a palavra-lema: o Exército, a Igreja e a Família.

   A ordem e o poder político estavam em primeiro lugar, e aos cidadãos era reservado o direito democrático da obediência¹. A igreja (católica) tinha o seu quinhão de domínio, mas não alcançava tantos setores ou pessoas quanto desejava. A família, portanto, passou a ser a coluna do regime franquista: nela se construía tudo, desde a moral do cidadão até as suas tendências e posturas políticas – que na visão do regime, deveria se restringir à obediência sem questionamento.


   No fim dos anos 1950, a Espanha viu surgir um jovem cineasta (ex fotógrafo e engenheiro industrial) que expunha as falhas do sistema vigente. É sob (e sobre) o regime de Franco que Saura fará filmes completamente pessimistas sobre a (má e fascista) estrutura da família espanhola e as outras instituições do país. Neste sentido, Saura se aproxima muito de Buñuel.                 

     Em 1973, dá-se início um ciclo de filmes sobre o funcionamento da estrutura familiar (o que, em ampla análise, nos leva para a exposição do funcionamento do Estado). A abertura para esta crítica – filmado quando Franco ainda era vivo – é o grandioso Ana e os Lobos (1973), seguido de Cría Cuervos (1976), e completado por Mamãe Faz 100 Anos (1979), praticamente o fechamento desta fase severa de críticas a Franco².

   Cría Cuervos (1976) é um filme essencialmente sobre a família. Nele, temos a história de Ana e suas atormentadas lembranças da infância: a morte do pai, da mãe, a ambígua postura da tia, a empregada Rosa, a amante do pai, o veneno... A história é narrada através das visões e Ana (interpretada pelas fantásticas Geraldine Chaplin e Ana Torrent). Um espírito surrealista vaga pelo filme. A pequena Ana é uma figura enigmática e vingativa. Através de sua relação com as irmãs e com a avó e a tia, observamos sua mutação, seu crescimento. A sexualidade e o Édipo da garota também vêm à tona, e a não-resolução de seus traumas infantis resultarão em uma figura adulta completamente atormentada. Assim como os valores morais, a perversidade e a inocência dos que compõem a sociedade é ironizada em Cría cuervos, esta “sutil” cine-radiografia do que não está às claras, do que pode nos matar – considerando diversos sentidos para esta palavra.

 

   Saura consegue fazer um paralelo do que nos é interno com aquilo que agregamos e “sofremos” durante a vida, em um filme que lembra-nos que vivemos com seres humanos imprevisíveis o tempo inteiro, e que justifica o incrível provérbio espanhol, de onde o cineasta tirou o título da película: Cría cuervos, y te sacarán los ojos³.


1 - Há uma alusão metafórica direta a essa postura na sequência final de O Anjo Exterminador (1962), de Luís Buñuel.

2 - Nos anos 1980 o cineasta se dedicou à música, com títulos de fama internacional sobre o flamenco e o tango - inclusive, título de um de seus melhores filmes, Tango (1998).

3 - Este é o princípio da linha narrativa de O Ovo da Serpente (1977), de Ingmar Bergman.


CRÍA CUERVOS (Espanha, 1976).
Direção: Carlos Saura
Elenco: Geraldine Chaplin, Mónica Randall, Florinda Chico, Ana Torrent, Héctor Alterio, Germán Cobos, Mirta Miller, Josefina Díaz, Cochita Pérez.


FILME ÓTIMO. É IMPERDÍVEL ASSISTI-LO!

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