1 de set. de 2011

Crepúsculo dos Deuses



por Nuno Reis

     A noite é escura, mas fica mais luminosa quando o céu está limpo e se consegue ver aqueles pontinhos luminosos que brilham no manto negro. As estrelas parecem eternas e imutáveis, mas por vezes as notícias relatam o desaparecimento de uma. Também no cinema as estrelas iluminam uma sala escura. Também essas parecem eternas e eternamente jovens. Mas também essas nos deixam. Esta é a história de um outrora razoável roteirista e de uma outrora enorme atriz. De que forma o mundo os destruiu e de que forma querem voltar juntos.

     Joe Gillis é um roteirista. Após uma fase de relativo sucesso encontra-se desesperado em busca de trabalho. Quando se acabam os argumentos e ninguém lhe arranja nem um contrato nem, um trabalho, nem sequer um adiantamento ou empréstimo, começa a ter de fugir para evitar os credores. Numa dessas perseguições vai entrar numa mansão isolada de todos, na solarenga Sunset Boulevard. Confundido com uma pessoa de quem estavam à espera, entra na casa e descobre que esta é o refúgio de Norma Desmond, a maior estrela do cinema mudo, retirada da vida pública há anos. A diva por acaso estava a preparar o seu regresso escrevendo um argumento baseado em Salomé que protagonizaria. Gillies dá jeito ter um esconderijo e um emprego. E para Desmond ter um roteirista a sério como revisor/escritor-fantasma seria uma boa forma de dar os retoques finais antes de o enviar para o amigo Cecil B. DeMille. Isto pode ser o início de uma bela amizade.

     Estamos perante um dos maiores filmes de sempre. É impossível decidir os pontos altos de “Sunset Blvd.” porque simplesmente não tem momentos maus. O início na piscina é brutal. O macaco é uma gag inacreditável, mas seguramente com um fundo de verdade. A forma como escritor e atriz se manipulam é fenomenal. A relação deles com o mundo - ela reunindo-se com as figuras de cera, ele com escapadelas à cidade - é tão crível que é assombrosa. Max é uma personagem que surpreende sempre que fala e tem alguns minutos que valem por meio filme. O reencontro de Desmond com os antigos companheiros de trabalho é dos momentos mais mágicos do cinema. E algumas das frases aqui ditas são tão memoráveis que causam arrepios mesmo ditas fora de contexto. É assim que os filmes deviam ser feitos.


      Fazer um filme com os grandes Buster Keaton e Cecil B. DeMille prova que os pares de Billy Wilder o reconhecem como um enorme realizador. O que mais surpreende é que todos sejam cúmplices neste ataque à arte que amamos. O Cinema é retratado como o maior vilão de todos os tempos. Usa as pessoas para se destacar e dá-lhes uma falsa sensação de importância. Quando não precisa mais delas, descarta-as sem piedade prosseguindo uma ascensão à custa de trabalho escravo. Entre todas as vítimas, os atores são as preferidas e as com menor validade. Gloria Swanson personifica uma geração de que faz parte e é avassaladora.

     Aqui não há um herói no sentido habitual, estamos perante um caso especial de film noir. Betty que é adorável começa por causar a impressão contrária. Gillis não é honesto. Desmond e Max não são simpáticos. Nenhum deles consegue combater a indústria porque estão apaixonados por ela e se estão a tornar iguais a ela. Mais uma vez o monstro sem rosto é o inimigo. Um inimigo que desde sempre nos chega ao coração.

     O Cinema estava na sua fase dourada. O que Wilder faz é obrigar a olhar para trás e a pensar em todos aqueles que foram abandonados e deixados no esquecimento. Quantos milhares de pessoas deram a juventude e as vidas para fazer do Cinema aquilo que ele foi sendo ao longo de mais de um século? Mas todo o mal causado pela arte é na verdade causado por pessoas. Não as que fazem cinema, mas as que vêem cinema e exigem sangue fresco a elevada velocidade. Esta febre consumista que existe desde sempre tem como produto pessoas. Que está a matar a arte já se sabe, mas por favor, poupem os artistas.

     Uma estrela não morre enquanto tiver fãs. Façamos como na história de Peter Pan e batamos palmas uma vez por cada estrela do passado ou do presente. Não as deixemos cair no esquecimento.


CREPÚSCULO DOS DEUSES (Sunset Boulevard, EUA, 1950).
Direção: Billy Wilder
Elenco: William Holden, Gloria Swanson, Erich von Stroheim, Nancy Olson, Fred Clark, Lloyd Gough, Jack Webb, Cecil B. DeMille, Buster Keaton  



FILME ÓTIMO. É IMPERDÍVEL ASSISTI-LO! 

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